Nunca entendi muito bem o conceito de comfort food – uma designação bastante estranha quando traduzida para o português. O que é uma comida confortável? Minha imaginação viaja e eu fico pensando em transformar um quindim em travesseiro, e quando vou a um restaurante que diz fazer esse tipo de gastronomia vejo pratos que vão de um simples filé à parmegiana, passam pelas regionalidades, como um bom baião de dois, e caem num complicadíssimo bife Wellington – onde uma peça de filé é envolta em massa folhada e levada ao forno.
Nesses lugares, os pratos fáceis abrem espaço para uma armadilha: a simplicidade ganha requintes de gourmet, e os preços vão lá para cima. Além disso, muitos dos restaurantes não são, em si, confortáveis: música alta, casa cheia, bastante iluminação. Fica parecendo que a proposta parou na metade.
Em uma área relativamente tranquila do bairro paulistano Pinheiros, uma casa de construção recuada da calçada, um tanto escondida atrás de árvores frondosas, a chef Gabriela Barretto instalou há 13 anos seu restaurante Chou. O lugar parece que sempre esteve ali, simpático, aconchegante, quase como se saído de um conto de fadas. É como se houvesse uma aura de atração, uma frequência diferente, menos agitada, envolvendo o Chou.
O trabalho competente de Gabriela transformou o Chou em um verdadeiro restaurante de conforto, e isso muito antes de Pinheiros tornar-se um point fervilhante da cidade. A luz de velas que ilumina o salão – a casa só abre para o jantar – faz do ambiente um lugar perfeito para casais, mas a cozinha feita principalmente de pratos para serem compartilhados também faz do restaurante um ótimo ponto de encontro para grupos de amigos que querem bater um papo entre taças de vinho.
Ao longo dos anos, Gabriela mudou poucas vezes o cardápio do Chou, e reuniu a maioria dos pratos que você podia encontrar por lá no livro Como cozinhar sua preguiça. Agora, com a reabertura gradual dos restaurantes, ela decidiu inovar: “Acredito muito nessa coisa da receita que dá certo, e que se torna um ponto de referência e conforto para os clientes. Acho que uma das coisas mais difíceis de um restaurante não é criar uma receita boa, é mantê-la assim ao longo dos anos”, conta a chef.
A comida de Gabriela sempre incorporou o confortável de maneira criativa, mais preocupada com temperar bem ingredientes familiares do que em apresentar pratos batidos para o público. As grandes estrelas são as mezzes, pequenas porções compartilháveis, que podem também servir de acompanhamentos para as carnes e peixes que saem da brasa: “O Chou se estabeleceu como um lugar de comida que as pessoas vão para comer a batata doce, a mandioca. Escuto muito isso dos meus clientes, respeito essa interação que eles têm com os produtos”
“Acredito muito nessa coisa da receita que dá certo, e que se torna um ponto de referência e conforto para os clientes”
Para essa pequena reforma no cardápio, ela adicionou aos compartilháveis deliciosas lulinhas frescas preparadas na chapa a carvão, temperadas com harissa, alho, vinho branco e manteiga, e servidas com pão de fermentação natural; e o rillette artesanal de porco – caruncho sobre pão, picles e mostarda da casa. Tanto um mezze quanto um prato principal, outra novidade é a kafta artesanal de cordeiro, com picles, harissa, laban, ervas e pão chato grelhado.
“Existe também um desafio de manter um certo frescor para que o lugar não pareça velho, para que fique clássico, simples, mas não mofado, parado no tempo”, explica Gabriela. “Ao longo dos anos, sempre fui colocando um ou outro prato, mas sempre retirando outros. É sempre um dilema mudar o cardápio. O que você tira? Tem muitas coisas que amo muito, que o público ama. Não tem muita regra. Às vezes é porque estamos cansados mesmo, porque se não tirar do cardápio as pessoas não pedem outra coisa. E, às vezes, tem muito do desejo criativo, que foi o que aconteceu agora.”
Sobre essa dificuldade de mudar o cardápio, Gabriela conta que a experiência inédita de fazer delivery na pandemia mostrou o quanto seus clientes são fiéis à sua comida. Ela narra com emoção um momento que viveu logo no primeiro dia em que o Chou voltou a funcionar: “Um casal de amigas sentou em uma das mesas, e fui até elas com o aparato todo: máscara, face shield, parecendo uma astronauta. Elas tinham lágrimas escorrendo pelo rosto. Comecei a conversar e entendi que elas estavam super emocionadas de estarem voltando ao Chou, um lugar que cruza momentos importantes da vida delas.”
E continua o relato: “Comecei a chorar também, me dei conta que o restaurante não é um comércio qualquer, não é uma troca mercantil. É palco de momentos significativos nas vidas das pessoas. Tem um peso muito grande. Isso me deu vontade de honrar muito mais o que fazemos. Porque antes eu estava lá fazendo comida, porque tinha a ideia de um projeto, de um ambiente, mas esse lugar de enxergar o que significa esse local de encontro tem um peso enorme.”
Entre os principais, Gabriela acrescentou um delicioso steak americano de porco Duroc, com salmorigano, gergelim e limão em conserva; vôngoli & risoni – preparado com vôngoles frescos, massa em formato de arroz, limão em conserva e vinho branco; e também grão de bico orgânico caldoso, abóbora cabotiá, espinafre, harissa, cominho, coentro e laban acompanhado por pão chato.