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Pés no chão

O Museu da Casa Brasileira deu seu jardim para a chef Morena Leite, e lá ela montou seu renovado Capim Santo

por Artur Tavares Atualizado em 29 out 2021, 17h49 - Publicado em 26 out 2021 23h35
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(Clube Lambada/Ilustração)

Existe um conforto em sentar em meio ao jardim do Museu da Casa Brasileira, no coração da Avenida Faria Lima, um oásis verde cercado por toneladas de concreto e vidro por todos os lados. Melhor agora que a chef Morena Leite levou para lá seu restaurante Capim Santo, a expressão máxima de seu trabalho de amor e respeito à culinária e aos ingredientes brasileiros.

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Fruto de um trabalho de quase duas décadas, o Capim Santo é a razão de viver de Morena Leite. Seja em Trancoso, onde ela tem uma pousada, ou aqui em São Paulo, a marca é a representação de um lifestyle saudável, de respeito aos produtores e aos sabores deste país, que tornou-se com o tempo uma associação que promove ações sociais, educativas, formações profissionais e conscientização de saberes alimentares que poderiam resolver em partes a preocupante situação de escassez alimentar que vivemos no Brasil.

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O Museu da Casa Brasileira não era desconhecido para Morena Leite. Ela já ocupava o salão de restaurante com seu Santinho, uma versão pocket, com versões em buffet, do seu Capim Santo – espaço que também funcionava em outro espaço das artes paulistano, o Instituto Tomie Othake. O Capim Santo, que funcionava nos Jardins, estava migrando para outro endereço, e aí veio a pandemia… Uma história parecida com a que muitos outros chefs enfrentaram no último ano e meio, mas que foi vantajosa para a chef.

O restaurante Capim Santo no Museu da Casa Brasileira
O restaurante Capim Santo no Museu da Casa Brasileira (MCB/Divulgação)

Com as adequações de espaços fechados, o Museu decidiu abrir o jardim para Morena. Sua gastronomia brasileira não cai no trivial, tem classe embora mantenha uma simplicidade, então ocupar o jardim com mais mesas e cadeiras, um bar ao ar livre, caiu como uma luva. Trata-se de um programa diurno muito agradável, seja para almoços de negócios, encontros familiares e até para casais.

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A comida propõe subverter lugares-comuns em prol da boa nutrição. Os anéis de coco com pesto de rúcula, de entrada, evocam o vinagrete de lula de restaurantes ibéricos com um frescor todo novo; as caipirinhas e outros drinks que saem do bar tem buquês igualmente abertos, quase sempre beneficiados pelo uso do capim santo; e os pratos principais mais saborosos são peixes ou frutos do mar. Comida que combina com o ambiente – colorida, reconfortante, audaciosa.

Nós conversamos com Morena sobre seu novo Capim Santo:

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(Morena Leite/Divulgação)

Você decidiu transformar o Santinho do Museu da Casa Brasileira em Capim Santo durante a pandemia. O que te motivou a fazer essa mudança?
Estávamos deixando o antigo endereço onde funcionamos por 15 anos, Rua Ministro Rocha Azevedo, e mudando para uma nova casa. A obra já tinha começado quando veio a pandemia. Tivemos que parar, então percebi que não era prudente começar uma nova operação do zero. Então decidimos unir forças e levar o Capim Santo para o Museu da Casa Brasileira onde antes existia o Santinho, já que neste espaço já havia a alma, o DNA do Grupo Capim Santo.

Seu restaurante em São Paulo está dentro de um museu, então isso significa que você não teve autonomia para decidir como lidar com a operação durante os períodos mais agudos de pandemia, certo? Além disso, o espaço é enorme, a equipe é bastante grande. Como foi pra você administrar todas essas questões ao longo do último ano?
Desde o início, seguimos todos os protocolos que foram sendo estabelecidos, sempre contando com o apoio da diretoria do Museu da Casa Brasileira para fazer as adaptações necessárias. E tivemos a oportunidade de ocupar uma boa área ao ar livre também, importante no momento em que vivemos. Fomos nos adaptando passo a passo, vivendo cada momento e nos adaptando às novas situações conforme elas foram se apresentando.

Conversar sobre seu trabalho sempre vai além da sua gastronomia. A marca Capim Santo também promove ações sociais, educativas, você tem uma pousada em Trancoso. Como você fortaleceu toda essa rede durante a crise, e como foi fortalecida em troca por tantas pessoas que estão ao seu lado?
De fato, gastronomia pra mim é mais do que servir comida, tem todo um movimento social e cultural envolvido. Durante o período mais crítico da pandemia, foi muito importante podermos ter feito as distribuições de quentinhas através do movimento ‘Capim Solidário’. Isso fez com que a gente não parasse e ajudou a dar esperança de um futuro melhor. Isso em todos os aspectos, tanto para quem estava recebendo quanto pra gente, para os voluntários, para quem contribuiu com doações… Foi uma rede que nos manteve fortalecidos.

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Crudo de banana da terra com tucupi vegano
Crudo de banana da terra com tucupi vegano (Mario Rodrigues/Divulgação)

“De fato, gastronomia pra mim é mais do que servir comida, tem todo um movimento social e cultural envolvido. Durante o período mais crítico da pandemia, foi muito importante podermos ter feito as distribuições de quentinhas através do movimento ‘Capim Solidário’. Isso fez com que a gente não parasse e ajudou a dar esperança de um futuro melhor”

Seu trabalho com ingredientes brasileiros é lindo, uma lição diária de como podemos inovar com o que temos aqui, buscar novos sabores em produtos que desconhecemos ou deixamos de lado. A situação atual te inspirou de alguma forma a aparecer mais na mídia, produzir novos conteúdos, alcançar gente que merece repensar como trata seus próprios alimentos dentro de casa?
Sempre me comuniquei bastante, sempre fui ativa nas minhas redes, e isso se manteve.

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A pandemia da covid-19 trouxe de novo questões urgentes de fome no Brasil, embora a produção alimentar do país não deixe de bater recorde atrás de recorde. Como você observa esse desalento, essa ganância de quem trata comida como negócio de exportação, enquanto o pequeno agricultor e o cidadão comum são deixados à própria sorte?
Existe todo tipo de pessoa, né? Com meu estilo de trabalho, estive perto de pessoas e de empresas que fizeram doações, que colaboraram e que agiram positivamente, que foram ativas.

Churros de tapioca com vatapá e anéis de coco vegano
Churros de tapioca com vatapá e anéis de coco vegano (Mario Rodrigues/Divulgação)

O Instituto Capim Santo tem compromissos muito fortes em tentar mudar essa situação alimentar macabra. Pode me contar um pouco das ações que vocês estão tomando e tomarão em um futuro próximo, na tentativa de minimizar a insegurança alimentar e fortalecer a cadeia produtiva?
Acredito em ações conscientes. Apostamos muito na efetivação de nossos colaboradores, por exemplo. E nos preocupamos com o entorno de onde estamos, com as comunidades, oferecendo nossos cursos de formação em cozinha e depois direcionado ao mercado de trabalho. Buscamos compartilhar nossos conhecimentos, nossas crenças, ter uma equipe conectada com os nossos princípios. Valorizamos os pequenos produtores e acreditamos em parcerias duradouras, em elos de longo prazo e laços fortes com nossos fornecedores.

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A gastronomia é extremamente pop no Brasil hoje em dia, os programas de televisão dão bastante audiência, e as pessoas aceitaram que sair para comer é um hobby recorrente em suas vidas. Está na hora de haver maior união entre chefs e empresários em prol do bem-estar social?
Não apenas de chefs e empresários, mas de todos os cidadãos que podem contribuir e agir para um mundo melhor. E acho, também, que as pessoas devem olhar para mais perto, ajudar quem está perto, ao redor. Assim a rede vai se formando e aumentando.

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