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8 de março: Dia da Invisibilidade

A deputada Erica Malunguinho fala sobre a falta de representatividade para mulheres trans no Dia Internacional da Mulher

por Erica Malunguinho Atualizado em 9 mar 2022, 12h05 - Publicado em 7 mar 2022 23h44
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 8 de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, é aquele momento do ano em que a mídia hegemônica circula imagens de mulheres que se desdobram em funções das mais diversas, com atribuições consideradas inerentes a sua existência quanto ao serviço de casa, maternidade e trabalho. Nas empresas, as mensagens corporativas enviadas às funcionárias, nos cartões dos buquês de flores e nos bombons, a ideia que prevalece é de uma mulher que “luta sem perder a sensibilidade”, de “mãe devotada que protege e ajuda a todos”, a de “profissional competente que não perde a feminilidade”. Normalmente as mulheres escolhidas para as reportagens e comerciais de TV que lembram a data ocupam funções que secularmente foram vistas como “masculinas”, enquanto o zoom da câmera foca nas unhas coloridas e no batom, visando destacar o quanto são “mulheres” apesar de ocupar tais funções.

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Neste contexto, vale sublinhar, que a imagem da mulher representada nas celebrações, geralmente, diz respeito à figura feminina nos padrões europeus. As mulheres negras e indígenas há muito reivindicam reconhecimento e representação e, pensando quanto à formatação da data da homenagem, se faz importante lembrar que esta foi firmada a partir de um movimento de trabalhadoras que ainda não nos incluía, enquanto negras e indígenas, desconsiderando por exemplo o trabalho doméstico e, antes disso, as relações de produção nos nossos territórios de origem e/ou em zonas rurais.

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“Se essa disparidade relativa ao reconhecimento de mulheres negras cis já é bastante incômoda, nos níveis mais sombrios desse “legado” emerge outra representação, carente de quaisquer cuidados ao longo de toda a história: a das mulheres trans”

Perante essa realidade, voltemos ao indispensável papel de mulheres negras como Sojourner Truth, abolicionista e ativista pelos direitos da mulher, que, em 1851, na Convenção dos Direitos da Mulher em Akron, proferiu a tão simples quanto significativa fala: “E não sou uma mulher?”.

Se essa disparidade relativa ao reconhecimento de mulheres negras cis já é bastante incômoda, nos níveis mais sombrios desse “legado” emerge outra representação, carente de quaisquer cuidados ao longo de toda a história: a das mulheres trans. Se por um lado a luta delas já reverbera em pequenas vitórias, a mulher transgênero ainda luta pelo direito de existir.

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A mulheridade da mulher trans precisa ser vista, colocada em lugar de não-questionamento. Por muito se entende, dentro de um olhar sob os estereótipos sociais, que a mulher trans oprime o domínio do homem machista, que não a enxerga como mulher, e até mesmo alguns grupos de mulheres, que aderem à rivalidade ao invés da sororidade. Esse conceito, fortalecido na atualidade por meio de figuras públicas que esbanjam ódio contra a população trans, nos leva para um lugar de marginalidade, de não existência enquanto seres humanos.

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Gosto da ideia de transfeminismo para pensar as intersecções entre as questões próprias das mulheres trans e os demais feminismos, como um campo fronteiriço de diálogo, de trocas e até mesmo de disputas. Esse lugar de fronteira deve ser entendido, portanto, como lugar de encontro. O transfeminismo faz fronteira com o feminismo negro, com o feminismo lésbico, com o feminismo socialista, com o ecofeminismo; e essas fronteiras são intersecções essenciais às demandas da mulher como corpo social plural. A mulheridade da mulher trans não se situa no âmbito do biológico, mas está completamente sintonizada com o ser e sua identificação.

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(Erica Malunguinho/Arquivo)

Somos mulheres!

Por essa e por outras, nem sempre nos lembramos das mulheres trans no dia 08 de março. Nos incluir é muito importante para nossa sobrevivência. Já é assunto até de reality show televisivo que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. E esse número aumentou 42% na pandemia. Em 2021, de 140 pessoas trans mortas, 135 eram mulheres e cinco eram homens. Estamos sempre repetindo esses números não porque gostamos de falar de violência, mas ao contrário: porque queremos que  a violência deixe de existir.

“Nem sempre nos lembramos das mulheres trans no dia 08 de março. Nos incluir é muito importante para nossa sobrevivência. Já é assunto até de reality show televisivo que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. E esse número aumentou 42% na pandemia”

Essa violência se manifesta na exclusão da juventude trans dos ambientes de sociabilidade sadia: 72% das mulheres trans e travestis não concluíram o ensino médio, e 56% não finalizaram o ensino fundamental, fatores que as levam para a marginalidade. As escolas não se preparam para receber, educar e socializar pessoas trans e o resultado é literalmente a morte.

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Amanhã completará um mês que uma estudante trans sofreu grave violência no interior de uma escola estadual em Mogi das Cruzes. Meninas e mulheres trans não têm seus corpos protegidos nem mesmo dentro da escola. É urgente que tenhamos compromisso com a manutenção destas vidas. O Brasil não pode seguir de olhos vendados para essa realidade.

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