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Robinho Santana é um artista político

Suas obras tratam da desigualdade social e racial, da educação e das múltiplas vivências pessoas negras

por Beatriz Lourenço 23 nov 2021 02h46
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(Clube Lambada/Ilustração)

artista Robinho Santana nasceu e cresceu com consciência política. Cria do Jardim Ruyce, em Diadema, é filho de sindicalistas e metalúrgicos e irmão de vários irmãos. Sua infância foi junto do carro de som da Central Única dos Trabalhadores (CUT), onde aprendeu sobre temas como desigualdade, força do trabalho e a necessidade de direitos iguais para criar uma sociedade mais justa.

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Apesar de não seguir os passos de seu pai, o Deputado Federal Vicentinho (PT), e colocar seu nome nas urnas, ele não deixa de lutar pelo que pensa. “Eu considero o meu trabalho um ato político. Através das pinturas eu digo o que deve ser falado para uma minoria que vive no Brasil. Eu tento fazer com as minhas obras hoje o que vi meu pai fazer no caminhão de som”, afirma.

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(Robinho Santana/Divulgação)

O interesse pela arte chegou por meio da música quando ainda era adolescente: ele entrou para uma banda e além de tocar, também criava as capas dos discos. No entanto, a possibilidade de uma carreira artística era distante já que, na periferia, essa não era uma informação que chegava. “Eu sempre gostei de arte, mas só entendi que iria viver disso aos 30 anos. Na escola, as aulas de educação artística eram quase vagas e, quando tinha algo, era sobre artistas brancos ou temas eurocêntricos”, relembra. Porém, na faculdade, o curso de sua história se transformou quando um professor exibiu um filme sobre Jean-Michel Basquiat. “Eu vi ali um artista negro que também falava sobre pessoas negras e isso me tocou de uma forma muito forte. Tanto que fez eu mudar o entendimento sobre o que era a arte e o que eu gostaria de fazer dali em diante”.

“Um jovem que estuda é um perigo para o sistema porque ele pode chegar onde ele quiser”

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Robinho sabe a potência da representatividade e conta que sua vontade é ser referência para jovens que desejam construir algo diferente do que é proposto pelo sistema. “Eu quero que as pessoas que são parecidas comigo e vêm de um lugar semelhante ao meu não precisem pisar em tantos buracos quanto os que eu pisei. Se eu puder ser a ponte e não o muro, eu vou ser. Penso que se não fosse os artistas negros e negras que vieram antes de mim, eu não estaria aqui. Portanto, o meu objetivo é continuar pavimentando esse chão”, diz.

Na 5ª edição do Circuito Urbano de Arte (Cura), em Belo Horizonte, Robinho Santana entregou a maior empena pintada do Brasil. Feita no Edifício Cartacho, a obra “Deus é Mãe” cobriu 2 mil m² e foi alvo de polícia por ter a moldura com estética de pixação. Agora, ele participa do ​​”Recrie o Amanhã”, um projeto da Converse que quer ampliar as vozes das periferias e instigar movimentos para construir um futuro melhor a partir da valorização da ancestralidade. Seu mural, feito em Diadema, é batizado de “Retomada” e tem como tema central a educação e a ressignificação da imagem do jovem negro. Abaixo, uma conversa com ele sobre consciência de classe, violência policial e muito mais!

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Como você se percebeu como artista?
Eu sempre desenhei, mas entendia que isso era apenas um hobby. Fazia para me sentir completo, já que tinha a necessidade de pensar em arte o tempo todo. Em 2017, aconteceu a minha primeira exposição na Ação Educativa, uma ONG voltada para jovens periféricos. Nessa época, muita gente já conhecia o meu trabalho pela internet e me mandava mensagens dizendo o quanto minhas obras eram importantes.

Nesse dia, vieram muitas pessoas parecidas comigo e que estavam frequentando esse lugar que muitas vezes não é pensado para elas. Então, fazer essa exposição que reuniu muitas pessoas negras e receber um feedback positivo me fez entender e ter coragem de me assumir como artista.

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(Robinho Santana/Divulgação)

Você criou o mural “Retomada”, em Diadema, com a temática da educação. O que ele significa para você?
Eu vim de Diadema e lá é um lugar que a cultura sempre foi muito escassa, já que a cidade é voltada para as fábricas. Assim, poder ir para lá como artista e fazer um mural desse tamanho é muito significativo. Ainda mais por ele estar na Fábrica de Cultura, um lugar de formação de jovens artistas.

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O objetivo da obra é passar a mensagem de que a educação é uma arma para a revolução. Com ela, eu ressignifiquei essa imagem que foi propagada há muito tempo do negro em uma posição sempre inferior ou criminosa para dizer que é estudando que nós podemos alcançar lugares diferentes. Um jovem que estuda é um perigo para o sistema porque ele pode chegar onde ele quiser – e isso tem tudo a ver com a minha história de conseguir conquistar posições mesmo quando elas não me eram mostradas.

Nas suas obras, as narrativas centrais são as vivências de pessoas negras. Como você percebe esse protagonismo no circuito artístico?
A maioria das minhas referências são pessoas pretas. Não só nas artes visuais, mas na música, na poesia e em vários outros segmentos. Foi isso que acrescentou toda a minha formação. Assim, eu entendo que a minha arte também precisa ter esse papel – de retratar as pessoas e elas se perceberem ali. As vivências, por sua vez, são muitas: a gente também ama, também sofre, também tem dificuldades e também chora.

Percebo que tem uma galera muito boa produzindo coisas importantes, mas a maioria ainda é artista independente. E é aí que dá para ver a diferença que existe do cenário das artes. Pouquíssimos conseguem acessar esses espaços de galerias e museus.

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Tenho muita dificuldade de pensar a minha obra no circuito porque entendo que, nesses espaços, o trabalho do artista fica mais caro e eu acho essencial que as pessoas que vêm do mesmo lugar que eu tenham acesso ao meu trabalho. Fazer com que pessoas pretas e periféricas também comprem obras de arte é um processo político. Ao mesmo tempo, eu também entendo a importância daqueles que ocupam esse cenário.

“Fazer com que pessoas pretas e periféricas também comprem obras de arte é um processo político”

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(Robinho Santana/Divulgação)

Esse é um dos motivos pelos quais você faz graffiti?
Sim. O graffiti é gratuito e eu acho isso lindo demais. Eu faço uma analogia de que qualquer pessoa pode ir a uma galeria ou museu, mas nem todo mundo vai no fundão do Jardim Ruyce para ver um graffiti. Ele tem um lugar muito especial na formação das pessoas que estão naquele espaço até porque ele é muito democrático, qualquer um pode olhar e opinar. É uma ferramenta transformadora.

Você já falou outras vezes sobre seu processo de se descobrir uma pessoa negra. Como foi isso, e de que forma essa descoberta se reflete nas suas obras?
A gente vive em um país que passou e ainda passa por um processo de embranquecimento. Então, é muito comum que pessoas que têm a pele clara se identifiquem como se não fossem negros. Eu já faço o processo contrário, entendendo desde muito cedo quem eu era a partir da vivência e das discussões com a minha família.

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Meu pai era um líder do movimento sindical e fazia parte do movimento negro. Em 1995, quando eu ainda era criança, ele organizou uma caminhada que chamava “Zumbi pela vida”, a qual juntou vários trabalhadores negros e negras que andaram da Praça da Sé até Aparecida do Norte em vários dias. Eu pude acompanhar esse movimento por algum tempo e isso mudou a minha vida e o entendimento de quem eu sou. Esse conhecimento fez eu respeitar e honrar a minha história.

Me tornar negro não diz respeito a cor, mas sobre me sentir digno e ressignificar as minhas referências. É sobre eu recusar o que a TV me mostra e buscar as personalidades que marcam a diáspora africana.

Em 2020 você participou do Circuito Urbano de Arte (Cura) e a sua empena virou alvo de inquérito. Como foi essa época da sua vida?
Eu vejo isso como um absurdo e entendo aquilo como um ato racista. A obra fala da força da mãe negra e da mãe solo – e isso é muito poderoso pra mim porque meus pais são separados. O conceito se torna ainda mais incrível por causa da estética do pixo, que é uma arte periférica e tem um movimento muito consolidado.

Se eu tivesse colocado outra caligrafia no lugar, nada teria acontecido. Isso mostra uma perseguição aos artistas periféricos. Vemos o mesmo acontecendo o tempo todo com o funk e com os terreiros de candomblé.

Você disse que todas as suas obras são políticas. Como elas dialogam com a sociedade que vivemos hoje?
Primeiro gostaria de ressaltar que não acho que as pessoas periféricas e pretas tenham que ter, por obrigatoriedade, um trabalho político. Não fazer isso já é um ato político porque a sociedade espera que a gente já chegue com um discurso racial.

No meu caso, especificamente, eu quero que seja político porque tem a ver com a minha formação como pessoa e com todas as minhas vivências. Essa foi a forma que eu encontrei de falar as coisas que eu tinha necessidade. Se eu tiver a oportunidade de fazer algo grande e, com isso, mudar o cotidiano das pessoas e fazê-las refletir, é o que vou fazer!

“Me tornar negro não diz respeito a cor, mas sobre me sentir digno e ressignificar as minhas referências. É sobre eu recusar o que a TV me mostra e buscar a personalidades que marcam a diáspora africana”

Você chegou a chamar atenção da Oprah, como foi isso?
Esse convite chegou pouquíssimo tempo depois da polícia visitar a minha casa na época do Cura. Felizmente, eu não estava lá, mas senti que aquele momento foi uma violência muito grande psicologicamente falando.

Na época, abri meu e-mail e vi uma mensagem em inglês que achei que fosse vírus ou algum email falso. Mas, quando li direito, percebi que era real. O pessoal da Oprah estava me convidando para falar sobre violência policial lá nos Estados Unidos. Logo depois, ela compartilhou uma obra minha nas redes. Isso foi muito especial e me reanimou em um período muito difícil.

Você fala abertamente sobre saúde mental e terapia. Qual é a importância de dialogar sobre esse tema?
Eu vim de um lugar no qual as pessoas estão sofrendo e morrendo porque não têm coragem de falar o que estão passando com elas. Muito por causa de uma masculinidade tóxica. Eu era essa pessoa que não tinha coragem de assumir que era artista, dizer que amava ou falar que estava com saudade, por exemplo. A terapia fez total sentido para mim e é um privilégio – já que me faz enxergar outras possibilidades e me dá coragem para ser quem eu sou. Falar sobre isso é grandioso porque ajuda outras pessoas a saírem desse lugar.

Há muitos anos eu trabalhei em agências de publicidade fazendo algo que eu não acreditava porque eu pensava de forma muito diferente e prestava serviço para empresas que eu não acreditava. Nessa época, assisti a um vídeo de um artista curitibano chamado Hélio Leites, onde ele dizia que quem está desempregado está procurando emprego no lugar errado. A metáfora significa que temos que procurar quem somos dentro de nós mesmos. Isso serviu muito para mim e foi a partir dessa reflexão que fui entender quem eu sou e que fazer o que eu gosto me mantém vivo.

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