Elástica explica: símbolos nacionais
A origem da palavra brasileiro vem da profissão de quem extraia pau-brasil das nossas matas. O sufixo -eiro, como em ferreiro, padeiro, costureiro, cabeleileira Leila, é usado para denotar trabalho, e isso torna ~engraçado~ que sejamos todos brasileiros e não brasilienses ou brasilianos (é uma incongruência linguística, inclusive, que o inglês corrige nos chamando de brazillians e também os italianos, brasilianos, os franceses, brésilien… paro antes de ser capitão Nascimento).
A madeira do Paubrasilia echinata era usada para criar tinta vermelha – e, se daí vem o nome da nossa terra e da nossa gente, por que não temos vermelho na bandeira nacional?
Basicamente, porque essa terra é cheia das suas deliciosas idiossincrasias. A única colônia que se declara independente mas continua governada pela mesma família real. E que, por isso, quando cria sua primeira bandeira como país – a do Brasil imperial, na moda entre os bolsonaristas que almejam a volta da monarquia (tem gosto pra tudo e conservador que não se contenta a voltar pra 1964 quer mesmo é ir pra 1822) – usa o verde da casa de Bragança, de Dom Pedro I, e o amarelo da família de Hamburgo, da Imperatriz Leopoldina.
Quando a república é promulgada por um grupo de militares desgostosos com o regime monárquico (a gente também curte uma repetição de padrões, né?), a primeira versão da bandeira é uma cópia da dos Estados Unidos – a primeira versão do nome do país também, Estados Unidos do Brasil. A segunda mantém os supostos “verde das matas, amarelo de desespero” nas mesmas formas da anterior. É tudo diferente, mas é igual.
Outra ironia é o mote positivista “Ordem e progresso”, que faz as vezes de mau-agouro na flâmula. Se ordem é o elemento indispensável ao progresso, não é por aqui que vemos um ou outro. Talvez por isso, nos últimos anos, tenham inúmeras apropriações da bandeira, em que mudam-se as cores e mudam-se palavras – Aline Bispo escreve “mulheres do Brasil” na sua, com tons de rosa e roxo; o carnavalesco Leandro Vieira, “negros, índios e pobres”; e a Bandeyra Nacional omite as palavras de todo e coloca um arco-íris na faixa. Uma reação ao roubo das cores nacionais (ou as cores do casal Peodina?) pela extrema direita.
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Redesenhar, reapropriar, ressignificar
Hans Donner, famoso designer da Globo e notório amante de degradês, propôs há alguns anos uma versão em que a faixa é ascendente, o verde varia entre dois tons, as formas têm sombras e o lema positivista aparece completo “Amor, ordem e progresso”. Poderia ser uma paródia engraçada ao seu próprio estilo, mas me parece que falta terapia para que esse seja o caso, aqui o repensar é pura maquiagem.
Em protestos em Brasília, manifestantes indígenas usam uma bandeira manchada de terra e sangue onde se lê “Brasil, terra indígena”. Podiam dizer terra roubada, mas isso fica subentendido.
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Abdias do Nascimento criou Okê Oxóssi em 1970, tela em que a bandeira é girada 90º e atravessada por um arco e flecha vermelha de Oxóssi, o orixá caçador, guardião das florestas e do conhecimento. A saudação a ele dá nome ao quadro e aparece reduzida quatro vezes no arco-faixa “okê okê okê okê”. Ele também brincou com a bandeira estadunidense, colocando sobre ela o oxé de Xangô, orixá justiceiro. Os dois países que mais receberam negros escravizados sequestrados da África e que sobre o trabalho deles construíram suas riquezas.
Outras ideias
Acho que todo mundo já ouviu dizer que nossa bandeira é difícil e cara de ser reproduzida, por ter muitos detalhes e miudezas (cada estrela tem uma posição, tamanho e rotação diferentes; cada letra, idem). Desde que foi proposta, muitos outros tentaram sugerir alternativas – daí que sabemos que não é pura modinha moderna essa coisa de repensar o lábaro estrelado que ostentamos.
Para quem tentou fugir das cores e formas do império, a solução era refletir quais povos fundaram a nação: os indígenas, os negros e os europeus. Vermelho, preto e branco.
Então, se um dia nossa bandeira pudesse ser vermelha, não seria o famoso fantasma do comunismo o responsável. Seria, isso sim, um gesto de reconhecimento por toda a nossa história e por toda contribuição que o povo – não a casa de Dom Pedro I – deu a essa terra explorada desde sempre em busca da cor vermelha. Seja tinta de Pau Brasil ou sangue de indígenas e negros.