3 perguntas para MC Tha
Após o icônico álbum Rito de Passá, lançado em 2019, MC Tha volta aos holofotes com o EP Meu Santo é Forte, composto por cinco regravações da cantora Alcione. Essa é a continuidade de um mergulho profundo da artista em pesquisas e vivência em religiões afro-brasileiras, mesclando estéticas e ritmos de um jeito original, atual e genuíno por meio do funk, tambores e pontos cantados.
As composições selecionadas para guiar a proposta foram “São Jorge”, “Figa de Guiné”, “Corpo Fechado”, “Afrekete” e “Agolonã”, lançadas originalmente entre as décadas de 70 até os anos 2000. “Eu fui arrematada por Alcione quando descobri o seu repertório de canções afro-religiosas. Em 2016, passei a frequentar um terreiro de Umbanda e me apaixonei por uma música cantada nas giras”, relata MC Tha. “Quando pesquisei sobre, descobri que a música era interpretada por ela e não acreditei. Até este momento, só conhecia Alcione por meio das canções de amor.”
No momento social que vivemos no país, cantar sobre ancestralidade significa relembrar e refletir de onde viemos para tentar seguir novos caminhos. Além disso, é preciso lembrar que só no primeiro semestre de 2019 houve um aumento de 56% no número de denúncias de intolerância religiosa em comparação ao mesmo período do ano anterior. A maior parte dos relatos foi feita por praticantes de crenças como a Umbanda e o Candomblé.
“Durante a feitura do projeto, tivemos algumas observações a serem levadas em consideração, pensando na importância deste projeto no atual Brasil. Temos um aumento alarmante de casos de preconceito religioso contra terreiros e a aliança entre organizações religiosas neopentecostais atuando em algumas favelas e reprimindo o povo de santo, por exemplo”, analisa a MC.
O álbum também se desdobra em “Clima Quente Show”, uma espécie de programa de TV protagonizado pela própria artista onde ela apresenta suas músicas, conta um pouco sobre seu processo criativo e celebra outras cantoras que abriram os caminhos da música, como Leci Brandão e Dona Ivone Lara.
De que forma as músicas que remetem às religiões afro-brasileiras podem ajudar a combater a intolerância religiosa?
As religiões de matrizes africanas são organizações bastante potentes mas, infelizmente, discriminadas em nosso país. Nos últimos anos foram registrados aumentos nos números de casos de intolerância religiosa contra pessoas e comunidades de terreiro. Além de sermos bastante estigmatizados, ainda contamos com a falta de representação nos lugares. Não podemos expressar nossa fé livremente, não temos espaço nas grandes mídias. Cantar ou regravar essas canções afro religiosas é dar continuidade e colaborar para uma nova perspectiva de futuro. Neste trabalho, além de cantar sobre os orixás, temos a participação de pessoas ligadas à comunidade de terreiro, como: Luan Manzo, Comunidade de Jongo Dito Ribeiro e Sueide Kintê, Pai David (sacerdote de Umbanda). É sobre normalizar e humanizar a nossa vivência, levar informação através da minha influência e dar força, criando uma corrente com quem precisa dela.
Há alguma memória afetiva com as músicas da Alcione que você pode nos contar?
Me aproximei mais da Alcione, musicalmente falando, a partir do dia que descobri que a música “São Jorge” é cantada por ela. Cantávamos essa música nas giras de umbanda e só mais tarde encontrei a gravação na voz dela. Daí em diante, fui descobrindo aos poucos o repertório afro religioso que ela tem gravado.
O EP chega com uma produção audiovisual que é uma espécie de programa de TV. Como seria o talk show da Tha se ele existisse na TV aberta? Quem seria a primeira entrevista e por que?
Teria shows, entrevistas e quadros externos visitando comunidades de axé. E o primeiro convidado seria o Zeca Pagodinho porque acho ele uma personalidade brasileira incrível – além de toda a sua jornada de fé e devoção explicita.