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A cultura underground está na Gruta

Música, arte e experimentação constroem o novo espaço cultural de São Paulo

por Beatriz Lourenço Atualizado em 3 dez 2021, 12h32 - Publicado em 2 dez 2021 23h11
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(Clube Lambada/Ilustração)

que o punk, o hardcore e a arte contemporânea têm em comum? Todos estão juntos na Gruta, novo espaço cultural de São Paulo que visa promover e difundir a produção artística de forma experimental e inovadora. Além de exposições, o local abrigará cursos, oficinas, debates e outras atividades. A ideia é ser um ambiente plural e democrático, no qual artistas consagrados atuam ao lado dos emergentes.

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É possível entender o conceito a partir do nome: Gruta é um lugar subterrâneo que abriga diversas formações que chamam a atenção. Por vezes elas são brutas mas, ao mesmo tempo, únicas. “O projeto está relacionado a uma subcultura e a trabalhos mais independentes. Queremos mostrar aquilo que está nas entranhas, como a cultura underground”, explica Camilla Bologna, uma das idealizadoras.

Tudo começou quando ela se juntou aos artistas Athos Santiago e Iran Costa para lançar uma plataforma online de venda de gravuras e pôsteres, principalmente relacionados à música. Em cerca de quatro meses no ar, o site comercializou obras para países como Argentina, Inglaterra e Estados Unidos, além do Brasil. Fez tanto sucesso que surgiu a possibilidade de abrir um espaço físico e ampliar o escopo.

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Agora, a Gruta ocupa um galpão de mais de 50 metros quadrados separados em duas salas, localizado no bairro da Barra Funda. “Continuamos com a ideia da editora e de sempre produzir esses artistas, mas agora eles podem expor. Também estamos criando zines e pequenos livretos”, conta Camilla. No andar de cima funciona a Associação Cultural Santa Cecília, um casarão que é palco de múltiplas artes. “Pensamos em trabalhar com pessoas que têm projetos musicais para estender para o Cecília, além de fomentar feiras de publicação lá”, revela a idealizadora.

A proposta não é ser uma galeria, mas um lugar onde os artistas podem criar livremente até mesmo como forma de pesquisa. Além disso, os organizadores querem democratizar a venda de obras, estabelecendo preços mais acessíveis. “Desejamos criar uma cultura para novos colecionadores e proporcionar diferentes possibilidades para o mercado da arte. Nosso diálogo é, também, com o público mais jovem”, ressalta Camilla.

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(Gruta/Divulgação)

Estalagmite

As portas do galpão se abrem com a exposição “Estalagmite”, coletiva com curadoria de Lucas Velloso que reúne pinturas, desenhos, tapeçarias e obras bidimensionais, dos artistas Carlos Dias, Fefe Talavera, Helena Obersteiner, Midi e Wagner Olino. O título da mostra faz alusão ao fenômeno de formações minerais que nascem nas grutas a partir do acúmulo de líquido no solo.

“Essa seleção declara a intenção da Gruta. São artistas de gerações diferentes que têm o trânsito no circuito independente. Sua formação, boa parte ligada a subculturas urbanas, é muito rica e é uma das coisas que cria a identidade das obras”, reflete Lucas. “Na disposição dos trabalhos, pensamos na relação com o som, já que o lugar tem muito a ver com o cenário musical.”

Em comum, todos os artistas carregam a dimensão abstrata em suas produções. “Os trabalhos não trazem nenhuma mensagem fechada, o que destoa do panorama do circuito de arte contemporânea atual. O público terá que entrar de fato na Gruta e se enchafurdar para tirar possíveis interpretações”, provoca Velloso.

Abaixo, conheça um pouco mais sobre os artistas que compõem a mostra:

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(Carlos Dias/Reprodução)

Carlos Dias

O trabalho desse multiartista é expressado através de pinturas, vídeos, música, instalações, performances e trocas de desenhos. Seu nome é um dos mais importantes na cena underground por causa de suas bandas emblemáticas de hardcore dos anos 1990, Polara e Againe. A partir delas, Carlos teve mais contato com a arte, já que criava cartazes, capas dos discos e fanzines. Nessa época começou a pintar em telas e suportes de madeira e fez sua primeira exposição em uma casa noturna. Em seguida, passou pelas galerias Choque Cultural e Logo. Hoje, sua pesquisa audiovisual desconstrói o analógico e o digital e mescla duas ferramentas: o som e o desenho. “Ele está em diversas coleções incríveis dentro e fora do Brasil. Na Gruta, ele apresenta obras feitas a partir de círculos coloridos com o fundo de uma ou mais cores”, diz Lucas Velloso.

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(Carlos Dias/Reprodução)
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(Fefe Talavera/Reprodução)

Fefe Talavera

A artista, que mora em São Paulo, tem origens mexicanas, mas é possível dizer que suas obras têm inspirações nas duas culturas. Ela tem vivências nos movimentos de street art como o grafitti, mas junta elementos vindos da mitologia dos sonhos. Tudo isso se materializa em uma profusão de formas e cores, sem falar nas cabeças separadas dos corpos. Seu repertório é vasto e as técnicas variam em pinturas, esculturas e desenhos.

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(Fefe Talavera/Arquivo)

Helena Obersteiner

Helena é artista visual e tem o desenho como foco de investigação. É tatuadora, designer têxtil e professora. Em 2019, criou o curso “Desenhos Feios”, que reflete seu interesse pela possibilidade de autoconhecimento a partir de diálogos coletivos. Já em 2021, passou a ser representada pela galeria Aura. “A participação dela vai chamar a atenção pela vontade da Gruta de se conectar com artistas bem mais jovens que se movem muito bem dentro das redes sociais”, afirma Lucas. “Ela tem essas questões do ‘faça você mesmo’, o que é incrível. Estamos expondo alguns trabalhos de tapeçaria, que tem muito a ver com os processos de tatuagem, uma vez que não tem volta quando você faz qualquer um dos tipos de perfuração”.

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(Midi/Reprodução)

Midi

Nascido em São Miguel Paulista, Midi cresceu em uma família adotiva na cidade de Santos, litoral de São Paulo. Artista autodidata, iniciou sua produção coletando materiais descartados no lixo onde fazia crítica à verticalização das cidades e à precarização da vida, além de relações entre as variáveis que a cidade traz nas situações cotidianas. Após ser expulso de casa durante a adolescência, Midi entra em contato com a subcultura, skate e movimentos sociais. “Seu trabalho traz questionamentos ligados à sua vivência. São obras que também mostram questões raciais. Além disso, há pequenas marcações que lembram o universo hardcore”, explica o curador.

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(Midin/Arquivo)
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(Wagner Olino/Reprodução)

Wagner Olino

Wagner Olino foi mais uma criança obcecada por super-heróis, monstros e personagens da TV, dos jogos de videogame e das histórias em quadrinhos, que sonhava em ser um dos Power Rangers. Sua produção como artista contemporâneo parte da percepção dessa impossibilidade e da fusão das suas neuroses com os produtos da cultura de massa. Atualmente, suas pinturas, desenhos, esculturas e instalações lidam com a angústia através da representação de elementos variados. “No começo, ele teve uma formação promissora no sentido do percurso de artistas contemporâneos. Aí ele desapareceu por um tempo e voltou trabalhando muito pelo circuito independente”, conta Velloso. “Ele já organizou exposições, publicações e agora está aparecendo com muito destaque”.

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(Wagner Olino/Divulgação)
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Estalagmite, coletiva com Carlos Dias, Fefe Talavera, Helena Obersteiner, Midi e Wagner Olino
Gruta
Rua Vitorino Camilo, 449, Santa Cecília
até 11 de dezembro de 2021
Funcionamento: quarta-feira à sábado, das 13h às 18h
Gratuito

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