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Tudo podia ser diferente

Insensível aos LGBTQIA+, o país não se preparou para incluir esses brasileiros no Censo. O IBGE diz que não, mas tinha como evitar mais dez anos no escuro

por Alexsandro Ribeiro e José Lázaro Jr., da Livre.jor 15 jul 2021 22h55
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(Clube Lambada/Ilustração)

uem mora na Inglaterra e possui mais de 16 anos de idade em 2021, poderá responder, voluntariamente, pela primeira vez na história do país, perguntas censitárias especialmente pensadas por aquele governo para conhecer a orientação sexual e a expressão de gênero do seu povo. O IBGE deles se chama Escritório para Estatísticas Nacionais (ONS, na sigla em inglês) e se preparou por 15 anos para esse momento. No Reino Unido, além da Inglaterra, o País de Gales também aplicará o mesmo questionário.

“Qual das opções a seguir melhor descreve a sua orientação sexual?”, diz a pergunta 26 do censo, deixando a pessoa escolher entre: (A) heterossexual, (B) gay ou lésbica, (C) bissexual ou (D) outra orientação sexual, sendo que neste caso há um campo em branco para ela se descrever como julgar mais apropriado. A pergunta 27 avança: “o gênero com o qual você se identifica é o mesmo do seu registro de nascimento?”, com as respostas (A) sim e (B) não, com espaço para que o cidadão diga qual é a sua própria expressão de gênero.

No Brasil, não vai ter nada disso. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) até foi provocado pela Aliança Nacional LGBTI+, no dia 25 de julho do ano passado, a tomar uma atitude quanto ao apagamento das lésbicas, gays, bissexuais, trans, travestis e intersex da principal pesquisa brasileira sobre o seu próprio povo. Questões simples, como as do censo inglês, terão que esperar mais dez anos para serem feitas. A população LGBTQIA+ paga impostos, mas é deixada de fora do censo. Deveria ser diferente, não?

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Escala Kinsey

Em 1980, o antropólogo Luiz Mott fundou o Grupo Gay da Bahia (GGB). De lá para cá, mesmo passados 41 anos de ativismo e de pesquisa científica, como docente titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ele é continuamente obrigado a denunciar a falta de dados no Brasil sobre a população LGBTQIA+. “Faz 20 anos que o GGB cobra do IBGE a inclusão da orientação sexual e da identidade de gênero no Censo”, disse. E deu um exemplo dos absurdos causados por esse apagão estatístico.

A maior pesquisa sobre sexualidade já realizada no Ocidente é aquela feita por Alfred Kinsey, em 1948 – que de tão icônica, virou o filme Vamos falar de sexo, em 2004, com o ator Liam Neeson no papel do pesquisador, cujo trabalho pioneiro, hoje, vejam só, está disponível no streaming da Disney, ao lado de Vingadores e de Malévola. A Escala Kinsey de sexualidade pode ser simplificada assim: 10% dos homens são gays e 6% das mulheres são lésbicas. Depois, convencionou-se que 0,5% da população é trans ou travesti.

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(Arte/Redação)

O apagão de dados obriga os movimentos sociais a aplicarem a Escala Kinsey para ter uma estimativa da população LGBTQIA+ no país. E o resto é matemática básica, aplicada sobre os 213 milhões de habitantes do Brasil, dos quais 52% são mulheres e 48% homens. “Portanto, 11 milhões de gays, 6 milhões de lésbicas e 1 milhão de travestis e transexuais. Por que nós queremos que seja feita uma pesquisa inclusiva das minorias sexuais? Porque queremos saber realmente quantos somos!”, exige Mott. “Precisamos das mesmas informações que as das demais categorias sociais. Ou seja, o número total, o número relativo em relação à população total, as faixas etárias, a divisão por cor, por classe social, por salário, por escolaridade, profissional, em quais áreas os LGBTs estão inseridos no mercado de trabalho, além de informações sobre saúde, relações estáveis, casado, união estável não casamento, assim como informações sobre saúde mental LGBT”, enumera o fundador do Grupo Gay da Bahia.

“Por que nós queremos que seja feita uma pesquisa inclusiva das minorias sexuais? Porque queremos saber realmente quantos somos!”

Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia
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Ao IBGE, com carinho

Quando pediu ao IBGE para tirar o Brasil desse apagão de dados censitários, a Aliança LGBTI+ argumentou tudo que tinha às mãos. Primeiro, elogiou muito. Destacou que desde 1892 o país faz pesquisas para conhecer a sua população, sendo que o instituto assumiu a bronca em 1938 e, desde então, conseguiu, com seus retratos da sociedade brasileira, alavancar inúmeros avanços sociais. “O IBGE é um importante instrumento de consagração do Estado de direito e da democracia”, começou.

Depois de afagar o IBGE, Toni Reis, Lucas Siqueira, Glaucia Nascimento e Mateus Costa, que assinam o ofício, disseram o óbvio: que deixar a população LGBTQIA+ de fora do Censo 2021 que é prejudicar todas as políticas públicas destinadas a essas pessoas. Num país com R$ 4 trilhões de orçamento, operar às cegas é desperdiçar o erário e, principalmente, pôr vidas em risco. “O Brasil é um dos países com os maiores índices de violências contra essa população, ao mesmo tempo, são parcas as ações governamentais [voltadas a eles]”, constataram.

Se as duas estratégias fracassassem, a Aliança tinha mais um trunfo na manga: pôr o dinheiro na mesa. A última Parada LGBT em São Paulo, no ano de 2019, colocou 3 milhões de pessoas na avenida Paulista e movimentou R$ 403 milhões na economia local – 40% a mais que no ano anterior. Segundo a Associação Brasileira de Turismo LGBT, o potencial de compra deste público é de R$ 419 bilhões. No mundo, o turismo gay friendly supera 1.3 trilhão de dólares.

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“A falta de dados oficiais dificulta a confirmação dos resultados obtidos com as pesquisas e levantamentos [da sociedade civil], e também prejudica a verificação dos índices de violências LGBTIfóbicas, tornando difícil a implementação de ações de combate e identificação das violências”, terminava o ofício. A Aliança LGBTI+ reconheceu a importância da questão sobre casais homoafetivos, incluída no Censo de 2010, mas pedia muito mais ao IBGE. Se é que o mínimo pode ser considerado muito.

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Bem casados

No Brasil, o Censo 2010 tinha, como um das 20 opções de resposta ao item 5, sobre as relações de parentesco ou de convivência com a pessoa responsável pelo domicílio, a possibilidade do entrevistado declarar-se “cônjuge ou companheiro(a) do mesmo sexo”. O resultado: 60 mil casais homoafetivos foram identificados, sendo 53% deles de mulheres, 52% de moradores do Sudeste, 47,4% são católicos e 99,6% viviam em uniões não formalizadas. É pouco, em termos de políticas públicas, mas já foi importante.

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O IBGE divulgou esses números em 2012 e, no ano seguinte, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou as dificuldades impostas pelo país à união homoafetiva. A resolução 175/2013 proibiu os cartórios de se recusarem a habilitar, celebrar casamento civil ou de converter união estável em casamento. Uma medição, seguida por uma ação, que resultou na inclusão definitiva desse aspecto nas Estatísticas de Registro Civil. Em sete anos, as uniões subiram de 3,7 mil em 2013 para 9 mil em 2019. A pesquisa censitária na Inglaterra faz a mesma pergunta sobre casamentos, só que lá já conseguiram ir além.

“Foi importante o que foi feito em 2010. Foi fundamental para demarcar a importância da decisão do Supremo Tribunal Federal [em 2011, reconhecendo a união estável de pessoas do mesmo sexo]”, afirma Cláudio Nascimento, do Grupo Arco-Íris. “Quando falamos hoje sobre casais civis, temos como registrar. Mas é preciso avançar, para contabilizar os tipos diversos de relacionamentos e famílias”, defendeu. “Hoje, o dado de 60 mil casais registrados no IBGE é risível comparado ao avanço no debate”.

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“Não se sabe qual o real índice de desemprego na comunidade LGBTI, quais são os mais discriminados no âmbito do trabalho. Faltam dados sobre nosso papel na construção do país: do ponto de vista econômico, da força de trabalho, da participação social e política. A comunidade LGBTI tem uma voz importante, mas que não está configurada em números. Existe uma situação de extrema miséria com a covid-19, pois há a vulnerabilidade por ser LGBTI e o desemprego. Precisamos dos dados para avançar nas políticas públicas”, defendeu Nascimento.

“Quando falamos hoje sobre casais civis, temos como registrar. Mas é preciso avançar, para contabilizar os tipos diversos de relacionamentos e famílias”

Cláudio Nascimento, ativista do Grupo Arco-Íris
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Auribus Teneo Lupum

Textualmente, do latim, “segurando um lobo pelas orelhas”. A expressão aparece numa peça de teatro de Terêncio, numa cena em que a personagem diz não saber como evitar uma situação posta diante de si, que é inescapável, e muito menos vislumbra como resolvê-la de maneira adequada. Na resposta à Aliança LGBTI+, em agosto de 2020, o então diretor de Pesquisas do IBGE, Eduardo Luiz Gonçalves Rios Neto, pinta um quadro desse tipo para justificar a negativa do órgão.

Neto mobiliza os seguintes quatro argumentos. Primeiro, que, como no censo um morador responde pelos demais, “não é dada a cada pessoa a oportunidade de declarar seu sexo, gênero ou orientação sexual”. Depois, que “as categorias de gênero são fluídas e de difícil definição” e que “não há um consenso entre os diversos movimentos organizados sobre as categorias, o que dificulta muito a operacionalização”.

Rumo ao gran finale, diz que, por ser “um quesito sensível”, o respondente pode considerar a questão invasiva, “podendo impactar na coleta de todas as demais informações”. E, sem papas na língua, dispara que o censo é feito de entrevistas presenciais, um “método de coleta que pode implicar em perda da qualidade da informação quando associado a questões identitárias”. Logo, não daria tempo para incluir qualquer questão nova sem testagem e revisão das experiências internacionais.

Naquele ano, em agosto de 2020, Eduardo Luiz Neto escreveu que “países como o Reino Unido, a Nova Zelândia e os Estados Unidos vêm realizando testes há anos e, até o momento, não conseguiram introduzir esse levantamento em seus censos, por motivos técnicos e operacionais”. Antes, disse que “o IBGE tem acompanhado as discussões internacionais e os inúmeros testes e definições propostos pelos diversos institutos de estatística ao redor do mundo”. Tem mesmo?

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Novidade vem do norte

Na União, a Secretaria de Governo Digital, do Ministério da Economia, tem a missão de eliminar a burocracia desnecessária na gestão do poder público. Com sucesso, em menos de dois anos, 1 mil serviços foram digitalizados, permitindo aos brasileiros resolverem questões complexas pela internet. Até a prova de vida dos aposentados agora dá para fazer pelo aplicativo oficial, usando o celular e sem sair de casa. Temos a urna eletrônica e um dos sistemas bancários mais informatizados do mundo. O IBGE poderia beber dessa fonte de tecnologia abundante.

É que o Reino Unido, além de incluir as questões sobre orientação sexual e expressão de gênero, permitirá aos cidadãos responderem ao censo pela internet. Os pesquisadores ainda irão de porta em porta, isso não mudou. Mas quem quiser poderá requisitar ao governo o direito de dar suas respostas individualmente, em sigilo, com um código único, atrelado ao endereço. Ninguém na casa ficará sabendo se a filha, a avó ou o parceiro tiver optado por essa inovação.

As perguntas são as mesmas online e presencialmente, publicadas no início desta reportagem. A novidade motivou a campanha #proudtobecounted no Reino Unido, com o movimento LGBTQIA+ incentivando as pessoas a responderem ao censo pela internet. O lema expressa bem o tom da conquista: orgulhosos de estarem sendo contados. Tudo poderia ser diferente se o Brasil adotasse soluções metodológicas e tecnológicas semelhantes.

Nos EUA, o movimento LGBTQIA+ fez as mesmas demandas que no Reino Unido e no Brasil em relação ao censo de 2020. Lá, a administração do ex-presidente Donald Trump recusou as perguntas sobre orientação sexual e expressão de gênero, mas, pela primeira vez, foram contabilizados os casais de mesmo sexo. Lá, ultrapassam 1 milhão. A despeito da diferença populacional (50% a mais lá, em comparação com o Brasil), o número é proporcionalmente muito maior que os 60 mil aferidos pelo IBGE, aqui, em 2010. Talvez sejam por volta de 600 mil.

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Faça você mesmo

Sem amparo oficial, a comunidade LGBTQIA+ tem corrido atrás do tempo perdido. Por exemplo, em 2016, juntaram-se com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) para aprender sobre as experiências de jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nos ambientes educacionais. Descobriram que 73% sofreram bullying, 36% foram agredidos fisicamente e 60% se sentiram inseguros nas escolas.

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Hoje, quem faz a contagem das vítimas da LGBTfobia no Brasil não é o governo, é o Grupo Gay da Bahia. No último relatório, de 2019, foram contabilizadas 329 mortes violentas – 297 homicídios e 32 suicídios, ou seja, uma vítima a cada 26 horas, das quais 52,8% eram gays, 35,8% eram travestis e transexuais, 9,7% eram lésbicas e 1,5% eram bissexuais. Sem informações sobre a inserção dessa população no mercado de trabalho, logo sem políticas de empregabilidade, o fato de 11,5% das vítimas serem profissionais do sexo salta aos olhos. De novo, poderia ser diferente.

A revista Gênero e Número, em 2019, pesquisou registros do Ministério da Saúde de dois anos antes. Descobriu que seis lésbicas foram estupradas por dia no ano de 2017 – 96% das vezes por homens, outros 3% por homens e mulheres, 20% das vezes em plena rua. As jornalistas da revista também descobriram 11 agressões físicas a pessoas trans por dia, no Brasil, em 2017, registradas nas unidades de saúde. 57% dessas vítimas eram negras.

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Não é à toa que a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e o Instituto Brasileiro de Trans Educação (IBTE) denunciam estar ocorrendo uma subnotificação “cistemática” dos assassinatos dessa população no país. “Cistemática”, com a letra cê, como fazem questão de escrever, pois a expressão cis designa pessoas que se identificam com o sexo biológico de nascimento. Mais da metade dos estados brasileiros não têm qualquer informação sobre violências motivadas por orientação sexual e expressão de gênero. Quem sabe se o IBGE desse o exemplo.

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Universidades na lida

Tem fila na Universidade de São Paulo (USP) de famílias buscando apoio do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas. O IPq acompanha crianças, pré-adolescentes e adolescentes com variação de identidade de gênero. “A gente acompanha as famílias, dá suporte às pessoas, faz cursos e discute com as empresas a inserção no mercado de trabalho. É um protocolo completo para a população infantil e adolescente trans”, explica Alexandre Saadeh, coordenador da iniciativa.

“Eu não vejo sentido [em fazer pesquisa sobre as pessoas LGBTQIA+ separada do Censo 2021]”, analisou Saadeh, do IPq. “Já que tá gastando para fazer o censo, por que não incluir algumas questões, né? Não precisa ser um questionário específico, muito profundo, mas [que tenha perguntas] que possibilitem conhecer essa população, que caras elas têm. Uma pesquisa separada do censo é desperdício de dinheiro, de tempo e de resultados. O censo é bem mais abrangente”, defendeu.

“Já que tá gastando para fazer o censo, por que não incluir algumas questões, né? Não precisa ser um questionário específico, muito profundo, mas [que tenha perguntas] que possibilitem conhecer essa população, que caras elas têm”

Alexandre Saadeh, coordenador do IPq-USP

Por e-mail, conversamos com Zora Costa, Maria Cerqueira, Maria dos Santos Costa e Tibério Oliveira, da Universidade de Brasília (UNB), onde integram o grupo de pesquisa sobre Gênero, Política Social e Serviços Sociais (Genposs). “Não é possível, que em pleno século que vivemos, não se reconheça que os dados censitários influenciam na elaboração de políticas sociais. Como podemos então pensar política social e o enfrentamento das desigualdades sem incluir a população LGBTI+? ”, queixam-se.

“Com essas informações [censitárias] poderíamos saber, por exemplo, como a educação vem abordando a evasão da população LGBTI+ desde a educação infantil até a pós-graduação. Existe de fato uma preocupação com este público? Os dados traduzem a realidade concreta e podem nos revelar verdades que não olhamos. Muitas políticas públicas dependem destes dados, como educação, saúde, previdência social, assistência social, trabalho, habitação dentre outras”, enumeram os membros do Genposs.

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“Vamos começar o próximo Censo”

Procuramos diversos grupos de pesquisa nas universidades brasileiras dedicados aos mais variados aspectos da população LGBTQIA+. Acima foram dois exemplos. Todos têm muita deferência pelo IBGE, apenas não entendem como o Instituto ainda não percebeu que a inclusão das lésbicas, gays, bissexuais, trans, travestis e intersex não é nenhum lobo. Nenhum bicho de sete cabeças. E, sim, uma questão de reparação e de respeito à dignidade humana.

Por exemplo, o papo que tivemos com Márcio Araújo de Almeida, participante do Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano. “Adentrar questões de identidade da pessoa é invasivo? Óbvio que existe isso, sobre raça, etnia, sexualidade. Mas existe a opção de não declarar. E, quando você insere a opção de declarar, está abrindo portas, no século 21, a milhares de pessoas que se entendem, que já se encontraram identitariamente falando, para aparecerem como seres que existem nas pesquisas”.

Conversa pra cá, opinião para lá, Márcio de Almeida pediu licença, posicionou-se humildemente como “pesquisador baiano, de cidade do interior”, e se permitiu sugerir que o IBGE coletasse dados censitários pela internet. Ele, que é gay, pardo, pedagogo de formação, mestrando em Educação, tradutor e intérprete de Libras, tinha essa sugestão para dar. “A gente ia pegar uma população exorbitante do Brasil que já é incluída digitalmente. Um aplicativo que a pessoa fizesse seu próprio censo”. Lembram do Reino Unido, que fez isso neste ano? Estão afinadinhos com o nosso baiano do interior.

“O assunto é muito sério, mexe com vidas, e eu sei que o IBGE sabe disso. Mas, eu, que sinto na pele… Há 30, 20 anos eu era invisível para a sociedade brasileira. Eu não existia. Tinha que ser hétero igual aos outros homens. Hoje eu posso dizer, até numa entrevista de emprego, que sou homossexual declarado e assumido. Posso dizer que sou negro pardo. Há décadas atrás não existia nome social, e as pessoas travestis não podiam viver sua verdadeira identidade”, desabafou. Mas falou em construir já o próximo Censo, sem deixar mais nada para trás.

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Tudo diferente

Foi dada a chance ao IBGE de se manifestar novamente sobre a inclusão da população LGBTQIA+ no Censo 2021, mas o instituto, pela assessoria de comunicação, apenas repetiu os argumentos que o órgão usou para negar à Aliança a pretendida mudança no questionário. E, como parecia uma contradição ter-se tanto zelo com a medição da orientação sexual e da expressão de gênero, mas constar no questionário do órgão uma pergunta aberta, de cunho identitário, sobre a fé dos respondentes, questionamos o IBGE sobre isto.

“A investigação sobre religião está presente nos censos desde os primeiros realizados, é uma informação mais fácil de captar com o morador proxy, diferentemente da informação de identidade de gênero e orientação sexual”, foi a resposta oficial. Acrescentaram que, na Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, “no módulo sobre atividade sexual”, foi incluída, “em caráter experimental”, uma pergunta sobre orientação sexual. Prometeram divulgar os resultados ainda neste ano.

“Tudo é um processo, e nós vamos vencer”, afirmou Toni Reis, que é da Aliança LGBTI+, mas é sinônimo do Grupo Dignidade, onde é diretor-executivo. “Na Idade Média fomos queimados nas fogueiras, fomos tratados como criminosos até 1824, até 17 de maio de 1990 como doentes. O que precisamos é continuar o advocacy, o accountability, e a litigância estratégica, pois um dia nós vamos vencer”. Ele contabilizou 37 redes nacionais de defesa dos direitos LGBTQIA+ e diálogo com todos governos estaduais.

A sociedade brasileira acompanhou, pelo noticiário, o governo federal adiar para 2021 a pesquisa censitária marcada para o ano passado e, depois, desidratar o orçamento do IBGE a ponto de inviabilizar a realização da mesma. Em abril deste ano, o ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse que o censo deveria acontecer neste ano, mas um mês depois, o Supremo formou maioria por estender o prazo para 2022.

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Nesse ínterim, Susana Cordeiro Guerra deixou a presidência do IBGE e assumiu Eduardo Rios Neto. Sim, ele mesmo. Que era diretor de Pesquisas quando afastou a possibilidade de incluir já a população LGBTQIA+ no questionário. Os sábios, diz a sabedoria popular, são aqueles que mudam de opinião.

“Na Idade Média fomos queimados nas fogueiras, fomos tratados como criminosos até 1824, até 17 de maio de 1990 como doentes. O que precisamos é continuar o advocacy, o accountability, e a litigância estratégica, pois um dia nós vamos vencer”

Toni Reis, Aliança LGBTI
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