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Maconha e sonhos: como eles se relacionam?

Já ouviu dizer que quem fuma maconha não consegue lembrar dos sonhos? É mito ou verdade? Mergulhe com a gente nos mistérios do inconsciente e descubra

por Girls in Green Atualizado em 10 jun 2022, 17h09 - Publicado em 10 jun 2022 00h34

Cercados de misticismo, os sonhos são muito falados, mas ainda pouco compreendidos. A ciência tem muitas conjecturas sobre eles – e, seja para a psicanálise ou para o jogo do bicho, tudo o que acontece na nossa mente enquanto estamos adormecidos pode dizer muito sobre nossas vidas. Se você é usuário de cannabis, provavelmente já deve ter se perguntado como a plantinha afeta essa função do nosso organismo.

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Na comunidade, há uma questão bastante debatida relacionada a essa temática: afinal, maconheiro não sonha? A planta realmente tira do usuário o poder de sonhar ao dormir?

Os especialistas têm uma resposta e uma explicação para tudo isso. Vem com a gente entender o que são os sonhos e como o uso de cannabis pode interferir neles!

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(João Barreto/Ilustração)
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Sonhos: um oráculo probabilístico

Para falar sobre os sonhos, é importante entendermos o que eles são. Na atualidade, um dos brasileiros que mais explora essa área é Sidarta Ribeiro: professor titular de Neurociências e vice-diretor do Instituto do Cérebro na UFRN, bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília, mestre em Biofísica pela UFRJ, doutor em comportamento animal pela Universidade Rockefeller com pós-doutorado em Neurofisiologia pela Universidade Duke. Em seu livro O Oráculo da Noite, ele pontua que sonhos são uma grande mistura de fragmentos do passado, do presente e do futuro, envolvendo vivências, desejos, medos, padrões de comportamento e vários outros elementos da psique humana.

A grande maioria dos nossos sonhos acontece na fase REM (do inglês Rapid Eye Movement, ou, em bom português, “Movimento Rápido dos Olhos”). Essa etapa dura cerca de 10 minutos e, normalmente, tem início 90 minutos depois de adormecermos. Durante esse tempo, os nossos olhos se movimentam rapidamente e o batimento cardíaco aumenta. Sobretudo, é um momento marcado pela alta atividade cerebral, e é quando as imagens e os pensamentos esparsos do sono leve se tornam praticamente uma megaprodução de Hollywood – como explica Sidarta.

Além disso, nessa etapa, a dopamina é liberada no cérebro, o que nos mostra que sonhar também é um gatilho para o mecanismo de recompensas e punições da nossa mente. O enredo de cada sonho, portanto, tem muito a ver com desejos e medos. Interessante, né?

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(João Barreto/Ilustração)

Mas por que sonhar é importante?

Bom, se o sonho ajuda você a acertar os números da loteria, os cientistas ainda não sabem, mas eles já descobriram várias outras coisas relacionadas ao propósito dos sonhos.

Até pouco tempo, a fase REM era meio que deixada de lado – afinal, enquanto todas as outras tinham funções bem claras no nosso descanso, o sono REM só nos fazia, bem, sonhar. Hoje, já sabemos que o sono dos sonhos tem funções fundamentais para o nosso bem-estar e desempenho. De acordo com pesquisas, ele:

– É um mecanismo fundamental para mitigar a dor trazida por episódios traumáticos ou emocionais experimentados durante o dia. Além de trabalhar a resolução emocional, os sonhos promovem a criatividade e a capacidade de solucionar problemas.

– Desempenha um papel na consolidação do aprendizado. Um estudo do Reino Unido estabeleceu a ligação entre o sono REM e a retenção de informações e habilidades, de modo que a diminuição dele pode levar a algumas deficiências cognitivas, especialmente em cérebros em desenvolvimento.

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– Pode prejudicar a memória especial quando suprimido por mais de 72 horas. Isso significa que você pode ficar mais estabanado, esbarrando em objetos e trocando coisas de lugar.

Ou seja: os sonhos não são apenas aquelas coisas doidas que rolam na sua cabeça enquanto você dorme. Eles realmente possuem um impacto em diversos processos relacionados ao seu cérebro, e refletem em como você vive a sua vida de olhos abertos.

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(João Barreto/Ilustração)

Tá, mas onde entra a maconha nisso aí?

Nós já falamos por aqui sobre como a maconha afeta o nosso sono, e como ela vem sendo procurada por muitos indivíduos que sofrem com insônia ou apresentam dificuldades para dormir. Pois bem: ela também afeta os sonhos de uma maneira única, que ainda não é 100% explicável. Isso porque os cientistas ainda estão estudando como cada canabinoide pode agir sobre eles.

O tetrahidrocanabinol (THC), por exemplo, é o principal componente intoxicante da maconha. Ele demonstrou, em alguns estudos, suprimir ou encurtar o sono REM. Isso significa que boa parte dos usuários e usuárias de cannabis pode ter dificuldades na hora de sonhar – ou não ter sonho algum durante o sono.

Além disso, uma pesquisa de 2019 apontou que maconhistas apresentam menos sono REM do que os não consumidores, mas mais bizarrices quando se lembravam de ter sonhos.

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(João Barreto/Ilustração)

O canabidiol (CBD) também afeta os sonhos?

Aparentemente, depende da dosagem! Uma revisão de 2017 relatou que dosagens maiores de CBD aumentaram o início do sono REM no dia da administração, enquanto doses mais baixas da substância diminuíram o início do sono REM no dia após a administração.

Curiosamente, em vários fóruns por aqui pela internet, consumidores de CBD relatam que ele afeta significativamente seus sonhos. Alguns contam que o canabinoide traz sonhos mais vívidos e lúcidos; mais positivos (incluindo sexuais, ooh la la); e uma lembrança mais sólida de todas as aventuras quando acordam.

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(João Barreto/Ilustração)

Então, quer dizer que maconhista não sonha?

Por via de regra, consumir maconha regularmente pode, sim, fazer você sonhar menos, ou tornar seus sonhos mais improváveis e menos frequentes. Mas é óbvio que sempre existem exceções.

Se, por alguns motivos isso possa parecer ruim, por outros é uma verdadeira bênção. Tanto a cannabis quanto medicamentos à base de canabinoides (naturais ou sintéticos) mostraram que a supressão dos sonhos, ou pesadelos, pode ser extremamente positiva para pacientes com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Ao diminuir ou extinguir o sono REM, pessoas que sofrem com o problema têm menos chances de solidificar e reviver a(s) experiência(s) traumática(s) vivida(s). Além da cannabis, existem outras substâncias responsáveis pela privação do sono REM – como alguns antidepressivos, por exemplo.

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(João Barreto/Ilustração)

E como voltar a sonhar?

Existe algo chamado “rebote REM”, que faz com que usuários pesados de cannabis voltem a sonhar. Como fazer isso? Dando um tempo no consumo da plantinha. Se você se lembra, as férias da maconha (pausas de cerca de duas semanas) são ótimas para resetar a tolerância e, por experiência própria, ter sonhos bastante vívidos durante o descanso.

Um aviso amigo: embora o rebote REM dê a nossa mente um meio de retomar os sonhos perdidos, pode ser uma experiência bem intensa. A experiência pode envolver:

– Mais pesadelos;
– Sono REM mais denso;
– Um início de sono REM mais rápido;
– Ciclos de REM prolongados.

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(João Barreto/Ilustração)

Como proteger o REM usando maconha?

Não existe uma fórmula mágica quando se trata da maconha. Como sempre falamos, cada corpo responde de uma forma a diferentes concentrações de canabinoides. Entretanto, se o seu objetivo é não suprimir o sono REM, o ideal é encontrar uma dosagem que fique no meio termo – principalmente para quem usa a planta para pegar no sono. Afinal, a privação de REM não é lá tão boa, mas a insônia também não.

Pequenas doses de cannabis levam a um sono de qualidade sem supressão aparente do REM; doses mais altas podem ser mais problemáticas.

A verdade é que cabe a você escolher a opção que apresenta mais benefícios de acordo com a sua situação, analisando os riscos e danos de cada uma delas. Se ficar na dúvida, também é possível encontrar médicos e profissionais da saúde canábicos para orientar suas decisões – principalmente em associações, como a Apepi, Abrace e diversas outras espalhadas pelo país.

Boa sorte, e bons sonhos!

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