uando Lorena Paiva recebe um cliente em seu apartamento no bairro Caiçara, noroeste de Belo Horizonte, em Minas Gerais, vários processos de higienização já aconteceram no ambiente. A trabalhadora do sexo de 57 anos sempre foi caprichosa com assepsias e, por isso, a pandemia não mudou tanto sua rotina. “Sou chata com limpeza. Os meus clientes nem percebem, mas a cada atendimento troco lençol, toalhas e carrego sempre álcool em gel e lenços umedecidos. Já era um costume”. Para ela, uma mulher trans que já passou por muitas dificuldades quando trabalhou nas ruas, a internet facilitou o contato com o público. “Me sinto mais segura e menos exposta. Tenho clientes que atendo há 30 anos, então já temos uma relação de confiança. Agora, durante a pandemia, não tenho aceitado novos clientes. Se são homens jovens, então, já falo que não estou atendendo, pois não sei se eles estão se cuidando”.
Ao atender alguém que está desprotegido, Lorena adverte: “Você se importa de usar a máscara?”, sempre com um tom cuidadoso. Ela conta que, ao longo dos meses de pandemia, não enfrentou problemas em relação a isso. “É o jeito que a gente fala. Muitos dos meus clientes já são mais velhos e, quando não querem usar máscara, eu digo: você já tem uma idade, eu também não sou novinha, vamos viver mais para poder nos divertir mais vezes?”. Para essas ocasiões, ela reserva máscaras descartáveis que adquire por conta própria ou retira na Secretaria Municipal de Saúde. “A prefeitura disponibilizou para a gente sabonetes, vidros de álcool em gel e máscaras. Se o cliente não tem, até deixo que eles levem. É uma forma de eles se sentirem acolhidos, saber que estou cuidando deles”, conta.
“Me sinto mais segura e menos exposta. Tenho clientes que atendo há 30 anos, então já temos uma relação de confiança. Agora, durante a pandemia, não tenho aceitado novos clientes. Se são homens jovens, então, já falo que não estou atendendo, pois não sei se eles estão se cuidando”
Lorena Paiva
Durante o ano de 2020, Lorena não sentiu muito impacto nos atendimentos que realiza. Este ano, as coisas foram um pouco mais complicadas. “Ano passado foi como se nem tivesse pandemia. Agora, o número de clientes diminuiu porque todo mundo está sem dinheiro”. Ainda assim, ela não enfrenta dificuldades econômicas pois tem um público fixo, que a procura toda semana. “Às vezes, faço dois ou três atendimentos por dia, às vezes fico dias sem trabalhar, mas tenho uma organização financeira que aprendi com a vida, porque saí de casa muito nova. Hoje, me preocupo mais com a qualidade do que com a quantidade. Tenho clientes fiéis que às vezes me pagam 500 reais”. Ativa pelos direitos das mulheres trans e das trabalhadoras do sexo, Lorena sempre tenta incentivar suas colegas a se planejarem de acordo com os gastos e ganhos mensais.
Apesar de sentir-se segura, ela reconhece que muitas trabalhadoras, principalmente as que trabalham na rua ou em quartos de hotéis, estão passando por situações bem diferentes da sua. Fatima Muniz (Jade), 52 anos, fundadora e coordenadora do coletivo Clã das Lobas, passou grande parte da pandemia trabalhando em um hotel no hipercentro de Belo Horizonte e sentiu as oscilações no movimento a cada decreto de abertura e fechamento dos serviços não essenciais. “Eu falo que é um combo. O homem sai de casa pra ir no Shopping Oiapoque [shopping popular no Centro de Belo Horizonte] e aproveita pra dar uma passadinha lá nas ‘tias’. Depois vai no bar, toma uma cervejinha e almoça.” Ela conta que, quando o comércio do entorno fica fechado, os clientes pensam duas vezes antes de irem para a rua.
“Eu falo que é um combo. O homem sai de casa pra ir no Shopping Oiapoque [shopping popular no Centro de Belo Horizonte] e aproveita pra dar uma passadinha lá nas ‘tias’. Depois vai no bar, toma uma cervejinha e almoça”
Jade
Jade ajudou a produzir, no ano passado, uma cartilha sobre redução de danos para as trabalhadoras sexuais durante a pandemia. O material destaca as formas de transmissão e sintomas da Covid-19, a importância do cuidado com a saúde mental e as recomendações de segurança e higiene que devem ser seguidas durante o trabalho. Para o ambiente, janelas abertas, lençóis descartáveis, borrifador com solução sanitária nas superfícies do quarto; para as trabalhadoras, lavar as mãos sempre, manter as unhas curtas, evitar acessórios, usar os cabelos presos, não tocar nas pessoas quando realizar uma abordagem na rua, não ingerir álcool e outras drogas, ser carinhosa sem contato facial e um novo banho a cada atendimento. Durante a transa, nada de beijo na boca e sexo oral. A cartilha também traz recomendações de uma infectologista sobre as posições sexuais que ajudam a reduzir minimamente o contágio. Mas as sugestões muitas vezes não funcionam: se antes a luta era para fazer os homens usarem camisinha, agora também é para continuarem com a máscara. “Antigamente, os clientes chegavam e a primeira coisa que eles tiravam era a cueca. Agora, a primeira é a cueca e a segunda é a máscara”, conta Jade.