edida Provisória, primeiro longa-metragem com direção de Lázaro Ramos, é impressionante. O enredo se passa num futuro distópico em que o governo brasileiro decreta uma medida que obriga os cidadãos negros a voltarem à África como forma de reparar os tempos de escravidão. A partir daí, as questões sociais são debatidas com uma mistura de humor, drama e thriller. A estreia está marcada para 14 de abril.
No elenco de Medida Provisória há nomes como Taís Araújo, Seu Jorge, Alfred Enoch, Adriana Esteves, Renata Sorrah, Emicida, Flávio Bauraqui e Mariana Xavier. Em um país onde 97% dos filmes é dirigido por pessoas brancas, 20% dos atores nas telas são negros e a mulher negra representa apenas 4,4% da equipe, contar essa história é essencial. “Nosso filme teve acesso a essa pesquisa e foi feito para mudar esses parâmetros. É o longa brasileiro com maior parte de negros à frente e atrás das câmeras – mas não sei se é algo a ser comemorado porque só agora isso aconteceu”, diz Lázaro à Elástica. “Ele também tem um protagonismo da mulher negra diferente do que já foi mostrado até então e está aí justamente para trazer esse tipo de discussão.”
O roteiro é baseado na peça teatral “Namíbia, Não!”, de Aldri Anunciação – que também aparece no longa como ator. Escrito originalmente em 2011, Lázaro se apaixonou pelo texto e o adaptou para o cinema em 2015, sendo filmado em 2019 na cidade do Rio de Janeiro.
A trama começa quando a inspetora Isabel (Adriana Esteves) instaura a Medida Provisória 188, que obriga pessoas negras a voltarem para a África imediatamente. Nesse contexto, são contadas as histórias do jornalista André (Seu Jorge); Antônio (Alfred Enoch), um advogado que luta pelos direitos humanos; e sua companheira Capitu (Taís Araújo), uma médica que precisa encontrar forças para sobreviver em meio às perseguições.
Até ser lançado, Medida Provisória sofreu censura da Ancine – a equipe teve dificuldade de conseguir a autorização para estrear no circuito nacional por mais mais de um ano. Em comunicado, os representantes do diretor disseram que “foram trocados com a agência dezenas de e-mails, checados o recebimento e andamento de protocolos, bem como foram realizadas consultas processuais.” Em resposta, a Ancine afirmou que o filme estava em “fase de análise” do pedido de investimento para a sua distribuição em salas de cinema.
Em março de 2021, Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares, pediu boicote ao longa, descrevendo-o como “pura lacração vitimista e ataque difamatório contra o nosso presidente”. Abaixo, listamos quatro cenas que mostram que a ficção está cada vez mais próxima da realidade:
1. Disseminação de fake news: Isabel tem um perfil falso nas redes sociais onde dissemina fake news. No Brasil, essa foi uma ferramenta usada durante as eleições e a pandemia para confundir os cidadãos. Um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts afirma que elas se espalham 70% mais rápido que as notícias verdadeiras e alcançam muito mais gente. “Ao meu ver, essa é a atuação de pessoas criminosas”, diz Adriana Esteves.
2. Violência policial: No longa, a medida permite que policiais militares capturem os indivíduos que estão fora de suas casas para mandá-los embora do país por meio da força física. Fora das telonas, o Atlas da Violência de 2021 revelou que a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. Quando falamos do índice de morte de jovens mortos por ano, constatamos mais de 70% deles são negros.
3. Governo conservador: Na ficção de Lázaro, a votação da medida provisória é feita no meio da noite com um grupo de deputados alterados fazendo discursos de ódio em nome da família e da religião. Foi assim que ocorreu o processo de impeachment de Dilma Rousseff. No entanto, no último mês de março, o Tribunal Regional Federal inocentou a ex-presidente da acusação de “pedaladas fiscais” – pretexto que usaram para que ela saísse do governo.
4. Racismo: A vizinha branca de André e Antônio os denuncia para o governo e, ao ser questionada, diz que nunca foi racista – inclusive já sofreu por conta de seu cabelo. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, encomendada pelo Carrefour, aponta que 84% da população percebe racismo, mas apenas 4% se considera preconceituoso. Apesar de abranger 56% da população, pessoas negras ainda sofrem desigualdade salarial, violências e discriminação. Quando inseridos no mercado de trabalho, o preconceito continua, uma vez que 52% dos trabalhadores revelaram que já sofreram racismo.
Agora, confira nossa entrevista com o diretor e elenco de Medida Provisória: