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Agnes Nunes: “Temos que ocupar todos os lugares”

A jovem artista que viralizou com seu canto doce e nordestino conversou conosco sobre o novo álbum, autoamor e resistência

por Beatriz Lourenço 1 fev 2022 22h20
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(Clube Lambada/Ilustração)

om apenas 19 anos, a cantora Agnes Nunes já ganhou os corações dos brasileiros. A trajetória na música começou ainda quando criança: sua mãe lhe deu um teclado em vez do celular que havia pedido de presente. Apesar de sempre ter gostado de cantar, foi aí que passou a canalizar seus sentimentos em canções. Após viralizar com vários covers, sua voz calma e com sotaque nordestino marcado acompanhou músicas de Tiago Iorc, Xamã, Seu Jorge e Elza Soares. Agora, ela acaba de lançar seu primeiro álbum, Menina Mulher.

Agnes nasceu em Feira de Santana, na Bahia, e foi morar na Paraíba com nove meses porque sua mãe precisava terminar os estudos. A avó ajudou na sua criação, o que favoreceu a menina a ter a força e o coração que tem hoje. “As duas são mulheres extremamente fortes. Sem elas, acho que não teria metade da garra e coragem que tenho”, conta. “Eu me achava feia porque todas as criancinhas eram brancas e com cabelos lisos. Mas as duas viviam me lembrando que eu era linda e que eu conseguia passar por aquelas situações de racismo da forma mais leve possível.”

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Nesse momento, a garota não imaginava a grandeza que viria em breve. Estava concentrada tentando se encaixar numa turma de colegas brancos que não aceitavam sua cor e seu cabelo – um comportamento dos pais que muitas vezes é reproduzido pelas crianças, diz ela. “Como eu morava no sertão, não acreditava que cantar poderia ser minha profissão. Antes, meu futuro estava limitado a terminar a escola, casar, ter filhos e trabalhar em qualquer outra coisa”, lembra. “Mesmo assim, comecei a fazer vídeos e soltar na internet. De repente, as pessoas que eu admirava começaram a me elogiar e propor parcerias.”

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O debut está em produção há dois anos e conta com letras que acompanharam todas as fases da artista. “Vish”, por exemplo, ela escreveu aos 15 anos. Episódios pessoais como aceitação de seu cabelo crespo, autoestima e amor próprio também estão presentes, além do mergulho na dor e no amor. Os sons, por sua vez, misturam o jazz, o r&b, a mpb e o pop. “Tenho vivenciado muitas coisas que me fizeram e estão me fazendo amadurecer muito. Fiz esse disco baseado nessa evolução, amadurecimento e na forma de olhar o mundo”, revela. Sabendo que mais um sucesso vem aí, conversamos com Agnes sobre sua carreira, inspirações e a força que segue tendo ao enfrentar o mundo adulto.

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Como você se aproximou da música e o que te fez começar a cantar?
Sempre gostei de música e ela foi minha válvula de escape para tudo e todas as situações da minha vida. Quando tinha 12 anos, morava numa cidade chamada Souza, da Paraíba, e ia para escola a pé. Nesse caminho, as pessoas me paravam e gritavam coisas horríveis para mim sobre o meu cabelo e a minha cor. Quando chegava em casa, me trancava no quarto e só queria saber de cantar. 

Nesse meio tempo, liguei uma chave na minha cabeça de querer ter um celular para tentar me encaixar, já que todo mundo tinha e eu não. Em vez disso, minha mãe me deu um teclado e isso foi fundamental para eu ser quem sou hoje. Para ser sincera, não imaginava que a música poderia ser minha profissão. Antes dela, meu futuro estava limitado a terminar a escola, casar, ter filhos e trabalhar em qualquer outra coisa. Mas comecei a fazer vídeos e soltar na internet. De repente, tudo aconteceu: pessoas que eu admirava começaram a me elogiar e propor parcerias. Até que vim parar na minha gravadora e agora vamos lançar o primeiro disco. Hoje, se eu viver sem música, eu morro.

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(Lucas Nogueira/Fotografia)

“Hoje, se eu viver sem música, eu morro”

Você nasceu na Bahia e cresceu no interior da Paraíba. De que forma a origem nordestina influenciou sua trajetória na música?
De várias formas. O povo nordestino é um povo extremamente forte e que não desiste de jeito nenhum, isso já são características que me identifico. Outra coisa que é muito visível é meu sotaque. Enquanto muitos artistas tiram o sotaque quando começam a cantar, eu mantenho porque penso que, sem ele, eu deixaria de ser quem sou e não me revelaria de verdade para as pessoas. Se eu falo com sotaque, por que vou cantar sem?

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Você foi criada por duas mulheres fortes, sua mãe e avó. Como isso te moldou?
A minha mãe e a minha vó sempre fizeram questão de enaltecer a minha beleza e isso foi muito importante. Eu me achava feia porque todas as criancinhas eram brancas e com cabelos lisos. Na minha turma da escola, era a única negra e isso me deixava chateada porque eu não conseguia me encaixar. Mas elas viviam me lembrando que eu era linda e que eu conseguia passar por aquelas situações de racismo da forma mais leve possível, ensinando para as pessoas que o que elas diziam era uma reprodução de comportamento errada. Por mais difícil que tenha sido ter que amadurecer muito rápido para entender essas questões, minha família me ajudou muito.

Apesar da pouca idade, você já tem muito sucesso. Isso te afeta no offline? Como você lida com as questões da carreira e da vida pessoal?
Tento separar as coisas. Não gosto muito de expor o que faço e o que deixo de fazer na vida pessoal. As pessoas sabem muito pouco sobre mim porque eu não sou obrigada a estar na internet mostrando minha vida o tempo todo, o que eu vou comer ou o que estou vestindo. Comecei usando o online como uma plataforma para mostrar a minha música para o mundo – era uma forma de me sentir bem e de levar uma mensagem para as pessoas. Sinto que isso é o que eu tento fazer até hoje. Quando tenho muita cobrança, fico offline. Esse é um jeito de cuidar da minha saúde mental.

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(Lucas Nogueira/Fotografia)
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Você já comentou que teve que lidar com o racismo muito cedo. Agora, com toda a sua visibilidade, como você percebe a importância de se posicionar contra essas questões? De que forma você faz isso?
A música é uma grande parceira nisso. Tento usar essa visibilidade como uma forma de me posicionar. Isso porque quando você tem esse espaço sendo negra, mulher e nordestina, fica num lugar de fala de responsabilidade. É preciso dar força para pessoas que passam por episódios de racismo, xenofobia e machismo — assim como eu passei. Também faço isso através das minhas publicidades. Os meninos e meninas precisam ver que a gente pode, sim, estar no comercial da Disney e ocupando espaços que antes não eram normalizados para pessoas negras. A gente pode e tem que ocupar todos os lugares.

“Os meninos e meninas precisam ver que a gente pode estar sim no comercial da Disney e ocupando espaços que antes não eram normalizados para pessoas negras”

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(Lucas Nogueira/Fotografia)

Você também participou da série Abre Alas, do Youtube, que mostra a história de seis mulheres negras da música brasileira. Como foi encontrar com elas? Você percebeu alguma semelhança em seus relatos?
Esse é um projeto muito especial porque tive a oportunidade de conhecer essas mulheres que admiro e de saber a história de cada uma delas. Precisei mergulhar em suas vivências para entender suas músicas e suas personalidades e isso foi incrível. A história da Elza me marcou muito porque ela perdeu um filho para a fome e foi muito forte para enfrentar tudo isso e transformar sua dor em música. Se eu puder ter pelo menos um terço de sua força, já vou estar feliz. É muito importante elas existirem na nossa história. Nós, artistas novos que estamos chegando, precisamos ter respeito porque essas pessoas pavimentaram o caminho para que nós pudéssemos chegar até aqui. A Preta Gil, por exemplo, quando lançou seu primeiro álbum com capa sensual, foi muito criticada. Mas ela foi precursora do que hoje é considerado artístico. Foi ela que começou o discurso sobre autoamor e autoconfiança.

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Você comentou que a música te ajudou no processo de autoamor. Como foi isso? Você acredita que ela tem o poder de ajudar pessoas a se enxergarem como realmente são?
A música tem um poder incrível. Tem músicas que eu ouço e me sinto muito bem, maravilhosa e linda. Até canto na frente do espelho. As que eu escrevo, por exemplo, falam muito sobre amor ou sobre dor, mas acho que elas ajudam as pessoas a assimilarem as situações de uma forma mais leve. Às vezes, ouvir algo pode te ajudar a sair de um lugar de sofrimento – vemos isso muitas vezes quando terminamos relacionamentos.

Você lançou seu primeiro álbum, Menina Mulher. Ele fala muito sobre os temas como aceitação de seu cabelo crespo, autoestima e amor próprio. Como foi o processo de criação?
Estou muito ansiosa porque esse é meu primeiro álbum e tenho um carinho muito especial por ele, já que acompanhou meu crescimento e amadurecimento como ser humano. Ele foi feito nesses últimos dois anos, que foi um período muito duro de pandemia no qual precisamos nos reinventar e renascer todos os dias. Ao todo, são 10 músicas e em cada uma delas há uma Agnes diferente. Uma que aprendeu sobre o amor, uma que aprendeu sobre a dor, outra que cresceu.

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Eu escrevi a música “Menina Mulher” para mim mesma. Ela fala de superação de alguns medos, como o medo do mar, que venci quando fui para a Bahia produzir o disco. Também não tem nenhum feat porque fiz questão que ele fosse sobre minhas experiências. As pessoas me conhecem pelas colaborações, mas dessa vez quis me mostrar para o mundo no meu lado mais puro. Falo muito sobre o amor porque sem ele a gente nada é – principalmente durante esses tempos que a gente ficou muito sozinho. 

“As pessoas me conhecem pelas colaborações, mas dessa vez quis me mostrar para o mundo no meu lado mais puro”

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(Lucas Nogueira/Fotografia)

Quais são suas referências musicais e de que forma elas te ajudaram a encontrar sua essência musical?
Sou muito eclética e até hoje não sei o que eu quero fazer de ritmo. Acho que não me encaixo 100% em nenhum. Algumas pessoas falam que sou a nova geração da MPB, pode ser que seja. Outras falam que sou muito R&B, pode ser também. Não me limito de jeito nenhum. Minhas referências são Etta James, Nina Simone, Elza Soares, Caetano Veloso, Gal Costa, Vanessa da Mata… É uma mistura muito louca. Estou testando várias coisas e acho que vai ser assim por muito tempo.

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O que você pretende alcançar com a sua carreira? Quais são seus planos?
Quero muito fazer shows. Aqui no Brasil todos eles foram adiados até melhorar a pandemia. Por enquanto, tenho uma turnê marcada na Europa em março e abril. Já tenho alguns projetos sendo colocados no papel e comecei a pensar em um outro álbum. Eu amo cantar, se me colocarem numa praça em cima de uma caixinha para fazer um show, já estou feliz.

Você consegue indicar cinco artistas mulheres para os nossos leitores conhecerem?
Tássia Reis, Liniker, Majur, Tasha & Tracie e Carol Biazin.

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