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Com as tensões acirradas, a sociedade brasileira teve que encarar de frente e debater o racismo em 2021

por Artur Tavares Atualizado em 13 jan 2022, 18h45 - Publicado em
30 dez 2021
17h30
O

ano não começou fácil para a sociedade brasileira. Relaxamos os protocolos de segurança contra a covid-19 no verão e vimos explodir os números de casos e mortes causados pela doença já nos primeiros meses de 2021. Enquanto os corpos eram empilhados, a verdade estava na nossa cara: deixamos a pandemia adquirir um recorte social específico que mirou as populações mais vulneráveis no país, em outras palavras, uma maioria de pretos e pobres que nunca realmente pôde ficar em casa.

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Ao manter o espírito combativo a postos, nós da Elástica tivemos a chance de debater temas caros ao movimento negro nesse ano de 2021. Logo em fevereiro conversamos com a deputada Erica Malunguinho, a primeira mulher trans eleita ao seu cargo no país. Liderança necessária, ela falou sobre suas lutas pessoais e públicas, e declarou: “A branquitude da esquerda reluta ainda em compreender, aceitar e respeitar o fundamento racial. Ainda está presa a uma construção intelectual europeia, que dita a luta de classes como elemento fundante das civilizações modernas e contemporâneas”.

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(Juh Almeida/Fotografia)

Ao longo dos meses seguintes, a branquitude foi centro de debate em uma série de entrevistas que realizamos com acadêmicos dos mais diversos segmentos: da sociologia à história e à pedagogia, a fim de entender como esse sistema opera tranquilamente ainda hoje, retirando quaisquer oportunidades de uma igualdade social plena no país.

“O que é a ideia de raça?”, pergunta a psicóloga Lia Vainer Schucman, em uma proposição que dá o tom para o debate. “Pessoas de um grupo, por pertencerem a ele, têm características morais, intelectuais, estéticas, iguais ou parecidíssimas. A partir daí, você pode classificar essas pessoas como confiáveis, moralmente adequadas etc. O processo de racialização pressupõe a ideia de raça”

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(intervenção sobre gravura de Jean-Baptiste Debret / Arte/Redação)

Assim como Vainer, o historiador Lourenço Cardoso aplica as subjetividades dos contextos sobre raça para fazer uma denúncia contundente tanto dos campos neoliberais quanto dos mais progressistas, acusando ambos de ainda compactuar com o racismo sistemático na sociedade brasileira: “São festejados os dicionários sobre o universo negro organizados por uma cientista branca, enquanto há o silenciamento ao dicionário sobre a escravidão produzido por Clóvis Moura”

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(Débora Faria/Ilustração)

Ainda no campo dos saberes, o pedagogo Luiz Rufino é hoje um dos nomes mais importantes a proporem uma ressignificação completa da educação como motor principal de uma mudança verdadeira na sociedade. Com um trabalho que confunde realidade e saberes ancestrais, Rufino convida olhar para Exú e outros saberes negros como maneira inclusiva de reformar o saber. “A encruzilhada desfaz aquela ideia que nos é tão comum, que é a Europa no centro do mapa-múndi, e diz que a Europa é só mais uma esquina. Assim como é Madureira, o Vale do Jequtinhonha, o Bronx, a Amazônia colombiana. É mais uma esquina. O saber produzido na Sorbonne é o mesmo saber, no sentido de força criativa, que está sendo produzido agora em qualquer outra esquina do mundo”

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(La Brevilheri e Rafael Rosa/Ilustração)

Também no campo da educação, a professora Cintia Cardoso se debruçou sobre a escola infantil que trabalha, na periferia de Florianópolis, e descobriu que mesmo uma maioria de crianças negras não garante representatividade em nosso ensino. Sua tese sobre educação básica precisa ser conhecida: “Não basta a boneca negra, o livro com a representatividade negra, se não tocarmos na problemática da hegemonia branca dentro dos espaços de educação”

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..nossa luta por direitos alcançados…
..nossa luta por direitos alcançados… (inspirado no cartaz de João da Silva, fotografado em manifestação por Beatriz Motta / Gustavo Nascimento/Ilustração)

Especialista no período da escravidão, Ynaê Lopes conversou conosco enquanto se prepara para lançar seu terceiro livro, Uma Breve História do Racismo no Brasil. Para ela, não há dissociação entre o período onde corpos negros eram tidos como mercadoria e o hoje: “Quem é reacionário não vê nenhum tipo de problema em considerar que a população negra é inferior, que índio não é gente. Isso é construído na história brasileira. Dá para entender, infelizmente, porque as pessoas pensam desse jeito, e porque é possível que representantes máximos do poder, da organização administrativa brasileira, coadunem com isso”

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(Arte/Redação)

Mas o ano não foi só de lutas, pelo contrário. Em 2021 celebramos os 80 anos de um ícone eterno das nossas artes, o humorista Mussum. Na ocasião, dia 7 de abril, convidamos Helio de La Peña, Jacy Lima, Yuri Marçal e outros humoristas para falar sobre o Trapalhão.

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(veronica oliveira/Divulgação)

Além de Mussum, celebramos também o sucesso de Verônica Oliveira, empresária e criadora do Faxina Boa, que ganhou o Brasil com lições que vão do empreendedorismo a uma mudança de mindset a fim de buscar uma sociedade mais justa também para os trabalhadores mais precarizados por aqui.

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(indique uma preta/Divulgação)

Na mesma linha atuam Amanda Abreu, Danielle Mattos e Verônica Dudiman, fundadoras da consultoria Indique uma Preta, uma plataforma que visa integrar as mulheres negras brasileiras – justamente as piores remuneradas no país – no mercado de trabalho. O resultado: empresas que têm um aumento de até 36% em seus faturamentos.

Não deixaríamos o ano acabar sem reproduzir mais uma vez a entrevista exclusiva que os ativistas Paulo “Galo” Lima e Danilo “Biu” de Oliveira nos concederam, logo após serem liberados da cadeia por terem incendiado a estátua do Borba Gato, em São Paulo. Na primeira conversa de fôlego com a imprensa, deram tons importantes ao estado das lutas sociais nas grandes metrópoles do país hoje: “Eu sou a favor de não reformarem a estátua. Não tem que preservar a história? A gente fez história!”

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(Renato Nascimento/Fotografia)
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