“É rápido, fácil e ninguém fica enchendo o meu saco depois. A gente goza e já era”, me disse Fernando*, quando eu perguntei por que ele praticava sexo com desconhecidos e muitas vezes em lugares públicos.
Quando se entendeu homossexual, aos 14 anos, não tinha nenhuma ideia de como sexo poderia funcionar para pessoas como ele. Na escola, as cartilhas sexuais não incorporavam sua realidade – em todas as aulas de educação sexual, a pauta era quase sempre reprodução e nunca sobre prazer e formas não-heteronormativas de transar. Ele não se sentia representado ali, descobrindo mais sobre sua sexualidade anos depois com a pornografia.
“Sexo em casa era tabu, ninguém tocava no assunto. Eu só fui adentrar esse universo que hoje é tão natural pra mim quando comecei a me tocar assistindo pornô. Só ali vi gente como eu, se relacionando, gozando e sendo feliz”, conta.
Nessa mesma época, o jovem arquiteto começou a buscar no Facebook pessoas que curtiam a mesma coisa que ele, até que um dia encontrou um grupo na rede social de homens gays e admiradores de sua cidade. Lá, fez amizade com um rapaz um pouco mais velho e engataram um romance on-line – embora vivessem a dois bairros de diferença. Quando finalmente se conheceram, três meses depois de muita conversa, Fernando e o affair transaram. A experiência, no entanto, não foi tão agradável como ele imaginava e, por isso, decidiu terminar o caso, a fim de descobrir novas possibilidades em novas pessoas.
“Percebi que namorar, casar e essas coisas não era pra mim. Sempre preferi a minha própria companhia e me sinto mais à vontade só para transar, mamar, dar uns beijos e ir embora. Assim, não assumo nenhuma responsabilidade propriamente afetiva e não me sinto mal por ter criado expectativas ou coisa do tipo. Hoje, de tão recorrente, virou algo natural e escolhi viver assim.”
Embora não seja debatido de forma escancarada, o Cruising – do inglês cruzeiro –, como é conhecida a prática sexual anônima, gratuita, com consentimento e geralmente realizada entre homens em locais públicos (parques, trilhas, praias e estacionamentos) é uma realidade implícita que vai muito além do sexo.
“Percebi que namorar, casar e essas coisas não era pra mim. Sempre preferi a minha própria companhia e me sinto mais à vontade só para transar, mamar, dar uns beijos e ir embora. Assim, não assumo nenhuma responsabilidade propriamente afetiva”
Fernando*
Segundo Victor Hugo Barreto, doutor e antropólogo nas áreas de sexualidade, gênero, saúde e conflitos, a história da pegação em locais públicos existe desde que o mundo é mundo, sendo intensificada conforme as cidades foram se desenvolvendo a partir da urbanização do espaço público. Pode-se dizer, ainda, que o cruising é um comportamento de resistência, visto que pessoas LGBTQIA+ sempre tiveram seus espaços – sexuais, físicos e sociais – negados pelas instituições, ainda que, em alguns períodos da história, tenhamos vivido avanços em relação à liberdade sexual.
“Sempre tem um certo padrão de uso e reconhecimento do espaço público através dessas práticas sexuais. Antes, acontecia na rua porque não tinha um lugar específico para essas pessoas, não tinha uma boate gay, não tinha um lugar para eles. Essas coisas aconteciam no velho esquema da discrição, do sigilo, porque aquilo não poderia se sobressair, não poderia ser visível as outras pessoas. Tudo isso acontecia numa troca de códigos e símbolos que eles conheciam, desde o olhar em que você identifica um semelhante até a cor da gravata [estratégia de identificação entre homens gays que permitia a representação de sexualidades e comportamentos dissidentes], citadas por João do Rio em algumas de suas crônicas”, explica.